Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

         Nas terras do povo Maraguá, conta-se que curumim Kawã nasceu antes do tempo e era tão pequeno que cabia na palma da mão. Ninguém acreditava que ele pudesse tornar-se um miraxawa – um caçador-mor. Quer dizer, pelo menos não antes do pequeno ser apresentado ao painy (como é chamado o homem mais sábio da aldeia, uma espécie de pajé) e ser abençoado por Monãg, o Deus criador.
       Ainda enquanto criança, seu pai lhe contou as palavras proferidas pelo grande painy: “Ele será um grande caçador, seu nome será colocado junto aos nomes dos grandes caçadores de nosso povo, estará ao lado de Aripunã, o maior de todos os tempos” (p. 16). A partir desse dia, o sonho do menino era usar cocar de penas de gavião-real, colar de dentes de çukurijú (sucuri amarela) e bracelete de pele de onça-pintada, ou seja, os prêmios simbólicos oferecidos para quem se tornar um verdadeiro mirixawa.
          Narrada a partir dos costumes da aldeia Yãbetué’y – área indígena do rio Abacaxis no sul do Amazonas – Elias Yaguakâg, artesão, escultor e especialista em grafismos indígenas, publica seu primeiro livro: As aventuras do menino kawã, editora FTD, 2010. Desfilam também na obra momentos importantes como a pirápukeka e a piãguá.
Nas páginas finais, palavras, grafismos e regionalismos amazônicos são apresentados com a colaboração de Yaguarê Yamã. Para além de uma narrativa que mostra a importância dos ritos de iniciação, significativas ilustrações do próprio autor e um belíssimo projeto gráfico ampliam os horizontes do leitor, sensibilizando o nosso olhar para uma estética genuinamente brasileira.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Aventuras do Menino Kawã
Autor e ilustrador: Elias Yaguakãg
Editora: FTD
Ano: 2010


Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

            Nas dobraduras de um pequeno barco de papel, um garoto viaja por episódios marcantes vividos por nosso povo através das fissuras abertas pela construção do imaginário, aliás, próprias da arte literária. Em 500 anos, narrativa visual de Regina Rennó, editora FTD, a autora questiona – de modo crítico e irônico – tempos distintos que deixaram marcas indeléveis na formação do Brasil. O elemento escolhido para a costura dessa trama: os habitantes primeiros de nossa terra. 
O argumento do livro parte de uma trágica notícia veiculada em jornais no ano de 1997: a morte de Galdino – o indígena pataxó que foi incendiado por um grupo de jovens de classe média, em Brasília, enquanto dormia na parada de ônibus. Após recolher a notícia na Capital Federal, o menino-personagem atravessa tempo-espaço e chega – em 1992 – na cidade de São Paulo onde visita uma exposição do artista plástico Volpi no Museu de Arte de São Paulo. Na saída, assiste a manifestação dos “cara-pintadas” em favor do impeachment do presidente Fernando Collor de Melo e atravessa mais 170 anos de história chegando às margens do rio Ipiranga onde Dom Pedro I comanda o processo de nossa independência.   
Por outra fenda – da história ou da literatura? – o leitor atravessa o período da mineração nas Minas Gerais, avista a bandeira dos “inconfidentes” e assiste o enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier. Sem trégua, nosso andarilho continua avançando – ou seria recuando? – e aporta na colonial Parati em meio ao fatídico movimento dos escravos africanos.
Novos empreendimentos e tantas descobertas para o nosso jovem viajante até ancorar em um porto seguro diante dos preparativos para a primeira missa. Na bagagem: muitas experiências e a notícia vinda do futuro. Um livro sem palavras, mas carregado na discursividade que mostra o repúdio contra a injustiça, a ação politizada rumo à cidadania e um encontro surpreendente com a nossa ancestralidade. Uma desforra utópica, um retorno mítico a gênesis do que somos como povo e cultura.

FICHA TÉCNICA:

Obra: 500 anos
Autora e ilustradora: Regina Rennó
Editora: FTD
Ano: 1999
(Clique na imagem para ampliar.)

Por Ana Paula Kinas Tavares*

        O escritor italiano (doutor e professor em Letras) Alessandro D'Avenia estreia com o livro "Branca como o leite, vermelha como o sangue" no universo editorial. Mais que isso, brinca de perfeição, pois do título - misterioso e pautado em Italo Calvino ("O amor das três romãs", em Fábulas italianas) - e da capa - linda e aveludada -, passando pela genial diagramação, até cada uma das palavras escolhidas (mesmo que a mim chegadas em tradução) encanta e surpreende.
        Tenho dificuldade em encontrar palavras pela tamanha densidade poética e filosófica da obra. Vários outros "resenhistas" possíveis de encontrar na internet, optaram por parafrasear a sinopse encontrada nas orelhas do livro, mas pra mim dizer apenas que Leo (o narrador e protagonista) é um jovem típico de dezesseis anos que durante um ano letivo aprende muito sobre a vida e a morte compartilhando suas experiências neste monólogo, é menosprezar o livro por seu enredo e escolha linguística de aproximação ao jovem de hoje.
      Prefiro dizer que com raízes cristãs, ainda que criticadas e refletidas durante a narrativa, o livro traz uma nova perspectiva literária para jovens e adultos, algo que bebe da fonte do simplificar - trazendo tão próximo da realidade juvenil ("fodido", Ipod, SMS são partes constitutivas da obra) e do complexar - sendo poético, trazendo milhares de referências atuais e históricas, além de refletir sobre amor, paixão, morte, sistema escolar, educação, relação entre jovens e adultos -, isto é, se for possível ser contraditório e ser redondo. Talvez seja esta a fórmula mágica que faz deste livro uma super indicação, utilizar essa característica tão própria da juventude (as dúvidas, contradições) para narrar poetizando. Enfim, é um livro que envolve, pede pra refletir, emociona e, como minha pesquisa defende, traz o conceito de morte desmistificado.      

FICHA TÉCNICA:

Obra: Branca como o leite, vermelha como o sangue
Autor: Alessandro D'Avenia
Tradutora: Joana Angélica d'Avila Melo
Editora: Bertrand Brasil
Ano: 2011



*Acadêmica de Letras e pesquisadora voluntária de Iniciação Científica, com o projeto nomeado "Se foi viajar, por que não volta?" - A morte na Literatura Infantil Juvenil, na Univille. 

Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

         A extraordinária expedição ao Brasil Central, empreendida pelos irmãos Villas Bôas, é contada na autobiografia Orlando Villas Bôas – História e causos, editora FTD, 2006. Embora falecido em 2002, o projeto de publicar esses registros foram incentivados e continuados pela esposa Marina e pelos filhos Orlando e Noel.
         A narrativa inicia com a apresentação pessoal da vida do indigenista em Botucatu, a ida para São Paulo, a morte dos pais e a viagem rumo ao sertão. Em seguida, relatos oficiais e não-oficiais sobre as razões da Marcha para o Oeste. Na primeira aparecem os grandes fatos e feitos considerados históricos, na segunda, uma espécie de história paralela. “Essas duas versões são complementares na medida em que indicam duas motivações bem distintas para a expansão rumo ao oeste. Uma, política; outra doméstica” (p. 31). 
         O livro traz ainda o contato com vários povos indígenas, sua cultura, suas crenças, seus modos de organização política e social, os embates com Marechal Rondon, as dificuldades e as relações amistosas da pacificação entre as diferentes tribos. Momentos importantes são minuciosamente descritos, tais como a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Parque Nacional do Xingu, bem como, as histórias e os causos vivenciados em mais de quarenta anos dedicados à defesa das etnias indígenas.
         Dentre tantas experiências, a convicção final de que esses povos “pagaram um pesado tributo no contato com a nossa sociedade”. (p. 148). O autor afirma que nossa dívida para com eles ainda não foi paga e, para saldá-la, há que haver o concurso do Estado. “A implementação de uma política indigenista séria deve estar na agenda política do nosso país. Os grupos indígenas não podem continuar sendo vistos como simples apêndice da nação” (p. 186). 
         Merece destaque, o capítulo final: Kuarup para Orlando. Essa cerimônia religiosa tradicional reproduz a lenda da criação, simulando a forma pela qual Mavutsinin (o herói criador) queria que seus mortos voltassem à vida. Um tronco de kuarup é adornado com todo o cuidado para receber o espírito daquele que partiu. À noite, acompanhado pelo canto de chamamento e lamento entoado pelas carpideiras, a alma do falecido se faz presente. Durante essa semana, eles tocam uruás (flautas) para demonstrar a força e a alegria e para espantar os mamaés (espíritos).
         Inquestionável a importância da passagem dos Irmãos Villas Bôas para as etnias que agora habitam o parque indígena, afinal de contas, todo aquele povo unido em torno do espírito de Orlando confirma e eterniza sua presença “enquanto existir esse lugar mágico que se chama Xingu”. (p. 202).

FICHA TÉCNICA:

Obra: Orlando Villas Bôas – História e causos
Autor: Orlando Villas Bôas
Editora: FTD
Ano: 2006


Por Alcione Pauli

       Virando e revirando nossa língua portuguesa brasileira e descobrindo palavras do vocabulário tupi-guarani, Walther Moreira Santos na obra Tem tupi na oca e em quase tudo que se toca nos apresenta uma poesia simples, rimada e ritmada.
         Tupi-guarani é a língua geral falada até hoje pelos indígenas é por meio dela que a comunicação entre as sociedades indígenas acontecem. No texto quando as palavras tupis aparecem, nos remetem para um portal que nos transportam ao mundo ancestral no qual visitamos ao pronunciar os versos que desafiam a pronúncia marcada. “Se a tiara da Yara / fosse uma arara, / e se a Yara amarrasse / a tiara que é rara, / a azul arara-tiara / de Araraquara / arranharia a orelha / da Yara?”.
         Sobrevoando as palavras o autor apresenta imagens coloridas e alegres. As cores que predominam são: verde, azul e amarelo e estas imprimem as páginas juntamente com recortes e colagens. Um mosaico inteligente e delicado onde há uma composição poética entre palavras e as imagens.
         Nas últimas páginas, para quem desejar, há referências bibliográficas e um glossário, o qual traz o significado das palavras tupi-guarani que aparecem nas poesias do livro. Um livro interessante para brincar e desafiar os pequenos que estão em processo de alfabetização.


FICHA TÉCNICA:

Obra: Tem tupi na oca e em quase tudo que se toca
Autor e ilustrador: Walter Moreira Santos
Editora: Autêntica
Ano: 2011

2007 - International Conference on Storytelling (New Delhi, India)


Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

         As lembranças de um garoto indígena e a sabedoria do povo Maguará são relatadas no livro Kurumĩ Guaré no coração da Amazônia, de Yaguarê Yamã, editora FTD. Nele, o autor, cujo nome significa tribo de onças pequenas, conta fragmentos de sua infância contextualizando a cultura, as lendas e os ritos religiosos tradicionais vividos pelo seu povo.
         A narrativa inicia junto ao nascer do sol, passando pelos três banhos diários, as expedições no meio da mata – levando em conta o cuidado de não voltar pelo mesmo caminho – até culminar com as histórias repassadas pelos mais velhos. Aliás, esse momento especial era marcado pelo toque da flauta que se propagava pelo ar chegando ao ouvido das pessoas. “Aquele era o ponto de partida para uma viagem ao mundo encantado do povo Maguará. Meu pai detinha-se por um instante, fitava os olhos em cada olhar presente e começava a história” (p.25).
         Merece destaque o encontro do menino Guaré com o seu espírito. Em seu rito de passagem conheceu Tapirayawara, “o espírito de todas as onças”. Na cultura Maguará, são esses seres da natureza que escolhem o nome de cada ser humano, bem como, atuam como seus protetores e intervém em situações extremas de perigo.
         Enfim, o menino cresceu. Mais tarde, iria compreender a palavra Çunarýa, ou seja, a vontade de voltar a ver e a ter o que um dia já possuímos. “A saudade iria brotar a cada instante que olhasse um rio passar em frente de uma floresta” (p. 76).
          

FICHA TÉCNICA:

Obra: Kurumĩ Guaré no coração da Amazônia
Autor e ilustrador: Yaguarê Yamã
Editora: FTD
Ano: 2007

Por Sueli de Souza Cagneti

“Ele sabia de onde vinha. Seu olhar revelava sua participação na teia da vida. Era uma participação consciente: sabia que não era dono, mas irmão do Universo.” (p.12)

Através de um lirismo próprio dos apaixonados pela palavra que proferem, Daniel Munduruku e Maurício Negro revisitam o pronunciamento do chefe Seattle, que veio a público em 1887. Embora sejam palavras ditas há mais de 150 anos, continuam profundamente atuais. Vivemos um momento em que muitas são as áreas – que não sem razão – preocupam-se com a ideia de pertencimento e identidade do homem a sua terra, com a necessidade, a partir dela, do respeito e cuidado com a natureza.  A palavra do grande chefe, portanto, é leitura obrigatória para todos os que pensam a sustentabilidade; sentem o homem como parte da “teia da vida”; buscam entender “nossa condição de seres de passagem por esse mundo”; alimentam-se com a palavra que se deixa inundar pela poesia; reciclam seus olhares com imagens perpassadas pelo estético e pelo lírico não gratuitos. Aliás, vale reforçar, que as imagens e o projeto gráfico desse discurso, transformado em livro, são dos mais sofisticados e poéticos já produzidos por Maurício Negro, que há muito vem nos dizendo o valor do trabalho consciente com essas novas linguagens na Literatura Infantil Juvenil.

FICHA TÉCNICA

Obra: A Palavra do Grande Chefe
Autor: Daniel Munduruku
Ilustrador: Mauricio Negro
Editora: Global
Ano: 2008

Por Ana Paula Kinas Tavares e Sueli de Souza Cagneti

De título intrigante, “Apenas um curumim”, de Werner Zotz, já começa “lançando piolhos” como aprendi com o escritor indígena Daniel Munduruku. Especialmente na sociedade “caraíba” (branca) dificilmente uma criança se aceita como “apenas uma criança”; Jari, o curumim da história, é também um pouco assim, achando-se esperto, não ouve o que tem dentro de si.
Num cuidadoso trabalho poético, o marcante escritor catarinense de Literatura Infantil Juvenil Werner Zotz, através de turnos de fala de dois sobreviventes de uma tribo destruída pelo homem branco, Tamãi, “o velho pajé”, e Jari, nos presenteia com uma analogia entre vida/morte e destruição/reconstrução dos valores humanos.
O livro, com diversas edições e prêmios, já se vestiu simples com imagens em preto e branco de Jubal Sérgio Dohms (pela Editorial Nórtica) e até bem mais volumoso, ilustrado por Andrés Sandoval, comemorando 25 anos de reedições (Editora Letras Brasileiras). Como estivesse encantou – e encanta – leitores de diversas gerações por sua naturalidade, poesia e sensibilidade. Sem uso de estereótipos, moral grifada ou imagens óbvias, permite que crianças, jovens e adultos construam seu próprio caminho na reflexão sobre as diferenças étnicas, a sabedoria dos mais velhos, a plenitude do bem viver, o ciclo da vida e a esperança no mudar.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Apenas um curumim
Autor: Werner Zotz
Ilustrador: Andrés Sandoval
Editora: Letras Brasileiras
Ano: 2005
Tecnologia do Blogger.