Isabela Giacomini
A menina bonita do laço de fita é muito linda, com olhos de azeitonas pretas, cabelos negros, enrolados, com trancinhas e pele escura como a noite. Por conta de tanta beleza acaba chamando a atenção de um de seus vizinhos- um coelho branco que se encanta com a aparência dela, especialmente por sua cor. O coelho fica tão curioso com a sua pele que quer logo descobrir o segredo, pois também quer ser assim, ou pelo menos ter uma filha como ela. Após ter ouvido alguns comentários da menina, como:  “fiquei assim de tanto tomar café”, entre outras “dicas”, o coelho passa a tentar de tudo, mas sem sucesso. Ele percebe então, após uma conversa com a mãe da menina do laço de fita, que para seu sonho ser alcançado, teria que casar com uma coelha escura e esperar sua tão sonhada filha negra.  O coelho vai então se aventurar e correr atrás de seu desejo. Com uma narrativa muito simples, Ana Maria Machado traz a inserção da criança negra para a literatura infantil, suscitando no personagem que é branco uma curiosidade e um desejo de ser assim também.
No entanto, um possível contraponto à narrativa é a questão de o coelho querer ser da cor da menina por diversos meios, não aceitando as suas características físicas. Ele também deseja muito ter uma filha negra, como se a cor fosse uma questão de preferência e não de aceitar a natureza dos seres que estão por vir e que estão ao seu redor. A questão da diversidade é trazida de fato, mas há um sentimento negativo do coelho em relação a si próprio. Esse é um dos pontos cruciais na luta contra o preconceito: a aceitação consigo mesmo, pois somente a partir dela que o indivíduo passará a ver os demais com humanidade e igualdade.

O livro em questão é muito interessante para ser levado para discussão em sala de aula ou outros espaços, justamente para abordar as questões étnico-raciais, mas também para falar das possíveis críticas, lembrando-se sempre de levar em consideração o contexto em que a obra foi escrita, características do autor e elementos que possam ter alterado algumas das concepções apresentadas. Menina bonita do laço de fita é com certeza um dos clássicos da literatura infantil, por motivos muito reconhecíveis, principalmente o da valorização do negro na narrativa, desmistificando alguns preconceitos já enraizados socialmente, mas precisa fazer parte de uma leitura mediada, para que a criança, o jovem e o leitor de qualquer idade também se coloquem a fazer questionamentos, afinal de contas, o principal é se aceitar para conseguir respeitar os outros como seus iguais.
Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.

Lara Cristina Victor
Isabela Giacomini
Que tal falar sobre o negro na nossa sociedade e também de sua valorização? A resenha a seguir é um exemplo de como a literatura aborda temáticas tão pertinentes, que precisam ser pauta das discussões sociais. A menina que desejava ter outro tipo de cabelo acaba se descobrindo e se amando da forma que é, sem precisar aderir a padrões, a mudar sua essência, sua identidade ou sua personalidade. Essa possibilidade surge quando o meio em que a pessoa está inserida mostra sua importância, sem discriminação e sem exclusão. Não se trata apenas de uma questão de aceitar ou recusar alguém, mas de ser humano e enxergar os indivíduos como tais, independentemente de suas características. O negro é constituinte de nossa cultura, de nossos costumes e do nosso povo, somos dessa forma atualmente justamente porque houve essa mistura de diferentes povos e locais. Negar a sua importância é, sobretudo, negar a própria constituição do Brasil dada socio historicamente. É por isso que precisamos falar sobre esse assunto com pessoas de todas as idades, afinal somos fruto dessa trajetória. Somente quando o preconceito for menor que a humanidade é que haverá espaço de diálogo, de trocas, de sentimento de pertencimento à sociedade. É um pouco sobre isso que o livro a seguir vai tratar, sendo também um ótimo ponto de partida para trabalhar a temática em espaços educacionais, confira:


“As tranças de Bintou” é uma história muito sensível de uma menina que tinha apenas quatro birotes na cabeça e que sonhava fortemente com longas tranças em seu cabelo, enfeitadas com pedras coloridas e conchinhas, iguaizinhas aquelas que ele via no cabelo de suas irmãs e das amigas de suas irmãs. No decorrer da história, Bintou descobre o porquê de meninas não poderem usar tranças, e descobre também algumas outras coisas que sua avó Soukeye conta sobre os costumes africanos. É através dos conselhos dos mais velhos e de sua própria coragem, que Bintou aprende a amar seu cabelo negro e brilhante, macio e bonito, e também a amar a si mesma. E é nesta data tão importante, que destacamos o Dia da Consciência Negra, fazendo-nos reconhecer os descendentes africanos na constituição e na construção da sociedade brasileira, assim como a importância de valorizar um povo que contribuiu fortemente para o desenvolvimento da nossa cultura. E salientando sobre a oportunidade de discutir sobre temas como racismo, discriminação, igualdade social, inclusão do negro na sociedade, religião, culturas afro-brasileiras, dentre outros.


Lara Cristina Victor é aluna do curso de Psicologia na Univille. Atua como bolsista no Prolij e vê em cada criança um pouquinho de si mesma.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.


Maira de Carli
Isabela Giacomini
Que tal dar uma volta pelos clássicos, mas de uma forma nova e com uma proposta incrível? Esse é o propósito dos revisitamentos, confira abaixo algumas dessas histórias de cara nova:

Oito pares de sapatos de Cinderela: Cinderela tem muitos sapatinhos, mas só pode escolher um. Na verdade, quem escolhe é o leitor, assim como toda a continuação da história. O livro possibilita que escolhamos qual será o caminho percorrido por Cinderela para chegar ao desfecho da trama, tornando a interatividade ainda mais presente.

Essa característica híbrida da literatura infantil faz com que nos aproximemos do texto verbal de um modo ainda mais significativo, pois a cada página escolhida uma nova situação, completamente inusitada, aparece. Oito pares de sapatos de Cinderela revisita o texto tradicional de Perrault com aspectos modernos e contemporâneos, como a presença de máquinas, de expressões não esperadas e de sapatos bastante diferenciados, mas mantendo-o como base, já que a liberdade não é irrestrita nesse processo de hibridização.

Os autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta trazem os traços da não linearidade, uma vez que a narrativa se constitui através de páginas aleatórias que se complementam a partir das decisões feitas por aquele que as lê, aspecto esse notável nas produções híbridas e multissemióticas presentes na contemporaneidade. As ilustrações de Raul Fernandes também se comunicam com as escolhas feitas, principalmente no momento em que todos os sapatos aparecem no centro da página, mas dispostos separadamente, para que cada possível continuação tenha sua totalidade. Essa preocupação com cada elemento utilizado faz com que o leitor se aproxime de maneira muito significativa da produção literária, em uma constante de criatividade e de surpreendimento a cada opção oferecida.


Branca de Neve e as Sete Versões: é mais um daqueles livros que o final fica por sua conta. José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta os autores do livro, mais uma vez, instigam em seus leitores o desejo de fazer parte da história, ainda que seja escolhendo a continuação. A cada escolha o leitor se apropria da narrativa e se permite viver novas possibilidades dentro de um clássico como Branca de Neve.

Já na primeira página encontramos uma frase que pode definir a proposta do livro: “são tantas possibilidades, tudo tem sempre tantas possibilidades...” e é assim que apreciamos as sete versões de Branca de Neve e as inúmeras possibilidades de escolha. Você pode escolher se o espelho mentirá para a Madrasta ou dirá a verdade, se escolher a primeira saiba que o final será curto e bem triste, mas a decisão é sua. Ainda, o caçador deve ou não matar Branca de Neve? Se escolher que deve, adianto que o final será um pouquinho mais longo, mas ainda assim será muito triste principalmente para o caçador que de tanto remorso se entregará a polícia e acabará preso, ele e a Madrasta. Já pensou em uma Branca de Neve bagunceira? O livro lhe dá essa possibilidade, e se assim você escolher deve também saber que o fim de Branca de Neve não será feliz, pois ela será expulsa da casa dos sete anões, passará sua vida caçando esquilos e coelhos e roubando os ovos dos ninhos dos pássaros causando terror na floresta e a indignação dos bichinhos que ainda não foram mortos por ela, e esses tramam uma emboscada e matam Branca de Neve.

E quando a Madrasta oferecer a tal maçã envenenada, Branca de Neve deve guardá-la para mais tarde ou comê-la na mesma hora? Se ela guardar para depois certamente o final será triste para todos, até para os anões que comerão da torta de maçã envenenada prepara por Branca e todos dormirão para sempre! Mas se acha que ela deve comer sozinha sabe também que morrerá. E agora sua escolha é o que os Sete Anões farão com seu corpo: enterrar ou colocar numa caixa de vidro? Se escolher por enterrá-la saiba que a consequência será tenebrosa, já que à meia noite a princesa sairá da tumba e se transformará numa vampira. Os Sete Anões também serão transformados em vampirinhos depois de serem mordidos pela Princesa das Trevas, a Branca de Neve. Mas se ela for colocada na caixa de vidro sua escolha é por quem Branca será encontrada: pelo Caçador ou pelo Príncipe? Se escolher pelo Caçador o fim da Princesa será o divórcio e ela viverá sozinha (por enquanto) numa grande cidade com a profissão de veterinária. Se escolher pelo Príncipe deverá decidir se foram felizes ou não. Se desejas um final feliz saiba que Branca de Neve não ficará feliz longe de seus amiguinhos Anões, escolha, portanto, pela felicidade do casal, que assim todos serão felizes para sempre! E acredite, o final é bem parecido com o começo.

Chapeuzinhos Coloridos: nos conta as histórias de seis meninas muito amadas por suas avós, tão amadas que ganham uma capinha com capuz, cada uma de uma cor, tem azul, cor de Abóbora, verde, branco, lilás e preto também. De tanto que usaram ficaram conhecidas pela cor de seus chapeuzinhos. Em cada história há um desfecho surpreendente para os personagens, assim se torna possível escolher qual é a mais divertida, se é que tem como escolher uma só.

Já se ouviu falar de muitas Chapeuzinhos por aí, mas duvido que sejam como essas, tem uma que come o lobo, outra o faz seu bichinho de estimação, tem também uma que fica amiga do Lobo dos lobos, mais conhecido como Tempo; já outra explode e fica em pedacinhos, uma só pensa em dinheiro e a outra em comida, uma quer ser famosa e uma outra é tristinha porque tem saudades de seu pai. Mesmo assim todas têm um final feliz!

E o mais divertido desse livro é que podemos mexer nas histórias e criar a nossa própria Chapeuzinho, listrada, de bolinhas ou até coraçãozinhos, podemos inventá-las de todos os jeitos e tamanhos.

Maira de Carli é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e encontra nas palavras segredos que são capazes de abrir fechaduras. 

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.






Isabela Giacomini
O livro Reinações de Narizinho foi publicado por Monteiro Lobato no ano de 1931 e é a primeira obra que compõe a série intitulada de “Sítio do Picapau Amarelo”, que veio a fazer muito sucesso tanto na literatura como na série televisiva. A importância de tal obra, assim como várias outras de sua produção, é imensurável, uma vez que leitores de Lobato são atualmente os escritores de renome que beberam dessa leitura e escritura e se influenciaram para escrever para crianças e jovens nos dias de hoje. Em Reinações de Narizinho temos várias pequenas histórias que parecem isoladas e que focam em personagens distintos, mas que estão interligadas em muitos aspectos, não somente pela linearidade narrativa, mas pela conexão dos acontecimentos no decorrer de cada aventura, seja através dos personagens ou de universos imaginativos coexistentes.

O livro inicia contando um pouco sobre a vida de Lúcia, também conhecida como Narizinho, por conta de seu nariz arrebitado, que vive no Sítio do Picapau Amarelo com sua avó, Dona Benta, e com uma criada, Tia Nastácia.  Lá também existem outras personagens como Rabicó, um porquinho de estimação que está sendo preparado para o abate na época de virada de ano e a boneca Emília, inicialmente muda, mas que com o desenrolar de diversas aventuras acaba por se tornar uma boneca para lá de falante, coisa de um tal de doutor Caramujo do Reino das Águas Claras.

E por falar no Reino das Águas Claras, é por lá mesmo que a aventura de Narizinho e da boneca Emília começa para valer. Lá elas têm contato com diversos animais aquáticos, principalmente com o príncipe escamado e com Miss Sardine, mas também com outros um tanto quanto diferentes para o fundo do mar como a Dona Aranha Costureira, a Dona Barata da Carochinha, Pequeno Polegar e tantos outros personagens de universos literários diversos.

O episódio do reino localizado no fundo do mar se mistura com a questão da pílula falante tomada pela boneca Emília e também com a chegada do primo Pedrinho ao Sítio. Cada nova história vai se entrelaçando a primeira e a segunda e assim sucessivamente, até que todos os personagens conhecidos do Sítio do Picapau Amarelo, do mundo das fábulas, das mil e uma noites, das princesas e de tantos outros lugares acabam se mesclando, formando várias histórias dentro de uma. É como se Lobato construísse uma colcha de retalhos a cada nova personagem, a cada aventura em que os meninos são convidados e a cada imaginação mirabolante que possuem.


É interessante também avaliar que a boneca Emília, ou Condessa das Três Estrelinhas ou ainda Marquesa de Rabicó, ganha um espaço muito significativo na casa. Dona Benta e Tia Nastácia que duvidavam das imaginações infantis acabam se surpreendendo com tudo que pode acontecer se transportando para outros universos e perspectivas, seja usando o pó de Pirlimpimpim ou não. Primeiramente o episódio de uma boneca falante as assusta, mas com o tempo se torna natural e imprescindível para suas relações e para os momentos de convivência, principalmente nas decisões, nas novas ideias e nas contações de histórias antes de dormir. A boneca ganha tanto espaço que parece por vezes a protagonista, enquanto na verdade esse papel seria de Narizinho. É nesse livro que a síntese de toda a formação do Sítio é trabalhada, de como cada personagem passa a integrar essa grande família, de como os malvados aparecem e o que cada um faz para ganhar o coração da vó bondosa que é Dona Benta.

Lobato traz ainda um traço fortíssimo que é o revisitamento de outras narrativas, sejam elas orientais ou ocidentais. Princesas com Branca de Neve e Cinderela entram em cena, assim como Barba Azul, Capitão Gancho, Soldadinho de Chumbo, Sininho, Peter Pan, Chapeuzinho Vermelho, Aladim, Simbad, Sherazade, Pinóquio e tantos outros. Essa fusão de diferentes esferas literárias entra em comunicação de uma maneira natural e encantadora e permite que o leitor associe coisas já lidas a algo novo e a outro contexto.

É justamente por essa grande mistura de histórias que Lobato é trazido para a contemporaneidade em que a questão da autoria é posta em cheque, uma vez que todos os textos estão repletos de outros discursos e de falas e pensamentos de outros indivíduos. É também por suas críticas já existentes nessa e em outras de suas obras que vemos alguns tipos de preconceitos e de ideologias serem desconstruídas, como a não violência aos animais, o combate ao desmatamento, a repreensão pela corrupção e trapaça, o preconceito racial ser refutado, a arte estar desassociada de uma concepção de falta de trabalho e tantos outros pontos que os próprios personagens colocam em embate. Alguns, provavelmente não leitores de Lobato, mas apenas de alguns de seus excertos fora do global, ainda dizem que ele precisa ser banido dos espaços educacionais por ser preconceituoso, enquanto na verdade essas ideias são desmanchadas na própria narrativa pelo comportamento de suas personagens, ainda que ele tenha escrito suas obras na primeira metade do século XX. Isso mostra o quanto a frente ele pensava e o quanto ele refletia sobre sua realidade, enquanto grande parte da sociedade de sua época e contexto naturalizavam ações amplamente repreensíveis na atualidade.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura lobatiana uma oportunidade para voltar a ser criança. 

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