“[...]Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.[...]”
Do poema “Traduzir-se” de Ferreira Gullar

Viver num mundo em que os espaços pelos quais se transita são regidos por valores morais que frequentemente vão contra os desejos humanos, é tarefa dolorosa e que exige, muitas vezes, um travar constante de lutas, não só com o mundo, mas também consigo mesmo. Diante disso, os personagens Alice – de Lewis Carrol - e Bastian – de Michel Ende - constroem um mundo novo no qual todos os padrões de comportamento que conheciam até então, desmoronam; as relações tornam-se absurdas e, por vezes, bizarras. A viagem para este mundo fantástico permite uma libertação das correntes sociais que nos prendem e propicia a iniciação de um construir-se partindo de sua própria perspectiva de mundo.


Os tantos mundos que compõem a Emília é a visão da Sarah nesta montagem.
_ _ _ _ _ 

Com esta postagem, encerramos a sequência que compôs os vários retratos de Emília, produzidos pelos alunos do 2° ano do Curso de Letras Licenciatura. Todas as produções podem ser vistas no marcador "Retratos de Emília".

Natália colocou Emília dominando o mundo. Diga-se melhor: os mundos. o nosso e o dela!
Ela nem era bonita, veio de um pedaço de feltro velho e ao costurá-la errei as medidas, deixando a pequenina toda torta. Mamãe me ajudou a confeccioná-la, disse ao ver a cabeça: “Está desproporcional ao corpo!” e precisei degolar a pobre e construir uma nova cabeça. Seu enchimento foi retirado de uma almofada velha da vovó, possuía uns remendos, mas era agradável de olhar.



Seu nome era Emília, mas não é por acaso, é quase que herdado. Vovó se chama Emília, eu Emiliana e a minha querida boneca recebeu o nome em homenagem à matriarca da família.



No início não trocávamos uma só palavra, deixei-a de enfeite em minha cama. Em uma tarde, enquanto navegava na internet, encontrei um novo método, o tal consistia em inserir um chip em objetos mudos por natureza para que os mesmos desatassem a falar e pensei: “Ora! Por que não?” Encomendei-o sem pensar duas vezes. Com a ajuda de agulha e tesoura, inseri o pequeno chip na cabeça da bonequinha de pano; no momento não surtiu efeitos, porém, passadas algumas horas, a tal desembestou-se a falar e nada a continha. Eu fechei sua boca, mas ainda era possível ouvir sussurros. A “danada” me repreendeu por demorar tanto para lhe liberar o dom da fala e disse não me perdoar se voltasse a lhe conter.



Deste dia em diante a mocinha não parou mais. Me acompanha aonde vou, sempre tagarelando e falando suas “asneirices”, procurando mudar o mundo com suas pequenas mãos de retalhos velhos e observando o tempo todo com aqueles olhos de botões o que nós, com olhos humanos, não podemos ver.


Retalho, retalho meu, é possível retratar alguém como a Emília tão bem quanto fez a Eloísa?
Como seria a Emília hoje?

Uma mulher já resolvida?

Uma adolescente chata e cheia de manias?

Uma menina obscura? Com seus conflitos e desilusões?

Uma mulher frágil? E ao mesmo tempo forte?

Uma jovem universitária? Capaz de lutar pelo seus ideais?

Uma esposa dedicada à família com sua sabedoria conseguiria dominar qualquer situação?

A Emília de hoje se enquadra em qualquer mulher; da mais criança até a mais idosa.

Todos, até os homens não escapam dessa minuciosa personalidade.

Eu digo que a Emília de hoje é a mistura de cada um de nós. Cada um com seus sonhos, mas todos em busca de um só ideal: SER FELIZ!
_ _ _ _ _
Emília, comentada pela acadêmica Karina.

O móbile da Amanda reflete toda a mobilidade e a movimentação Emiliana, além de – claro – mostrar as inúmeras facetas da qual se compõe a nossa personagem. 
Minha Emília diz:

E você?

Vai aceitar convenções ridículas, simplesmente porque lhe disseram ser o certo?


Vai fingir ser educado quando você tem vontade mesmo é de “soltar o verbo”?


Vai respeitar pessoas bem vestidas e ricas e vai pisar nos pobres e maltrapilhos?


E você?


Vai participar desse jogo de interesses?


Vai ser falso e mesquinho para subir de cargo no seu trabalho, como um rato imundo rastejando e comendo os restos que te deixarem?


Vai pisar na cabeça de outros, esmagar seus miolos até ouvir o último suspiro?


E você?


Vai bater palmas para a impunidade, mediocridade, insanidade e incapacidade?


Vai fechar os olhos quando isto lhe convém?


E você? E você? E você?


Vai concordar com tudo sem questionar, porque já tem coisas demais para fazer?


Vai mentir sua idade, fazer plástica, mudar o visual só para estar na moda?


Vai gritar chorar por algum famoso, porque todos o acham perfeito?


Vai colocar o trabalho à frente de sua família?


Bom, quanto a isso acredito que você pode fazê-lo, mas por pouco tempo.


O tempo necessário para você perceber que as pessoas que você ama não são imortais, e quando estas faltarem, nada os substitui, nem mesmo sua brilhante carreira...


Então?


Vamos continuar a nos autodestruir?


Vamos continuar a olhar para o nosso próprio umbigo?


Vamos simplesmente pensar em nosso bem e esquecermos do bem comum?


Será que vamos continuar a mascarar-nos na nossa ignorância nojenta e mórbida?


Será?
_ _ _ _ _ 
Isabele Buss Meurer fala pela boneca Emília.

William vê na vida e sonho de Emília um mundo de palavras. Vale conferir as palavras que a compõem. 

Espelho no lugar do rosto de Emília, produzido pela acadêmica Natali, sugerindo a ideia de que cada um que se vê nele refletido se dá conta de que tem um pouco da boneca sabia dentro de si.
De um fiapo de quase nada saiu Emília.

Toda torta e esboçada, com aparência de mais clara má fé, mas tinha o necessário: cabeça, cabelo, cotovelos e pés. Que graça! Que mimo! Emília é viva na feiúra e na beleza, e no emaranhado de trapos se mostra a mais digna das realezas. De boca calada é boneca e mais nada, só pano a criatura; mas se a boca abre o verbo sai louco e mais ninguém se aventura.

Verdade seja dita da boca de Emília. Só verdade se acredita e mentira bem contada é verdade verdadeira para quem ainda duvida. Ela é um ser humano... quer ser um ser humano, mas para que estragar-te agora? A se comparar com toda essa gente que ainda acha que é gente por esse mundo afora...

Emília é esperta! É criança grande em corpo pequeno. Pequena no corpo, mas grande na alma e gigante no pensamento. De jeito desaforado, irônico e arrogante, diz tudo o que pensa. Não há quem não se renda a todo “palavratório” da Excelentíssima Marquesa!

- Queres tu, boneca, ser como eu, de carne e osso?

- Quero eu, Emília, ser como tu, repleta de sonhos!

Forte e emotiva, impulsiva e atrevida, como tu queria eu assim ser, mas sou preso à vergonha, escrupulosa e sem vergonha que minha carne mostra ter. Trocas de lugar comigo? Serás eu e serei tu neste mundo tão insano. Para ti ficam só falhas; para mim fica o sabor de ser um trapo, um fiapo bem mais gente que o próprio ser humano.

Não percas a inocência, a ternura e a decência, e as mantenha para tua vida. Ser boneca é ser mais forte sem esperar a própria sorte neste mundo de armadilhas.

Emília, metade menina, metade mulher.

Trabalho sugerido pela acadêmica Janaína. 
“A Emília nasceu de trapos. O meu texto também”.



Tem um bocado de tempo que eu trabalho pr’uma jóia de família, num sítio que é uma belezura. Sou a empregada da casa, mas nem parece! Minha patroa é uma irmã para mim: a melhor das amigas e a mais fiel. Trocamo bastante receita, umas ideia e até uns segredinho de vez em quando. Entre a gente tem uma coisa que tá faltando pra muito neguinho por aí: confiança. Se a gente pudesse confiar em todo mundo, né? Meu São Jorge! Como esse mundão de meu deus ficava melhor pra viver, não é verdade?

Bom, viver mesmo, eu vivo pros netinho da minha patroa (aí, um casalzinho de neto duma lindeza só!). Fico facera quando eles me chamam de tia. Eu me sinto, do fundo do meu coração, que sou tia deles. São os sobrinho dos meu sonho. Vê se pode: desde quando que os meus bolinho-de-chuva são os melhor do mundo? Só pra esses dois tisôro mesmo! O menino parece um homizinho: diz ele que é muito valente e não tem medo de nada – só de picada de marimbondo. Me diz se não dá vontade de levar pra casa um menino desse? Artêro feito o Saci, mas educado e carinhoso igualzinho a avó dele.

A menina também é minha paixão! Um doce de menina que, por muitas vez, ficou me pedindo uma boneca. Mas de onde eu ia tirar tempo e dinheiro prá comprar uma boneca, gente? Eu falo assim, porque sabe como são as menina, né? Elas querem aquelas boneca cheia dos enfeite, bunita, com cheirinho de neném.

Intão, um dia, quando as tarefa de casa tavam bem adiantada, me veio uma ideia: lembrei daquele rostinho lindo da minha princesinha do narizinho arrebitado e passei a mão num vestido vermelho que eu nunca mais usava. Fiz um pontinho aqui, outro ali, cá linha e aguia; forrei uns trapo cuns trapo de pano, um tanto de paia e uns macinho de marcela prá dá um cheirinho. Pontiei os óinho com retroz preto, desenhei a bonequinha, custurei umas tirinha de tecido bem colorido na cabecinha, imitando os cabelinho e tava pronta uma bunequinha. Meia disingonçadinha, toda molinha – tadinha! – mais era uma boneca!

Cunfesso uma coisa: ademorei prá presentiá a minha frôzinha. Pensei cumigo: “ela num vai gostá”. Achei que ela fosse jogá aquele saco de trapo num canto até o mofo e as traça comê tudo. Mas quando vi a menina agarrando, bejando e me agradecendo pela amiguinha nova que li arranjei, me debulhei no choro. Tonta eu, né? Mas o meu São Jorge sabe que a Felicidade dessas criança é a minha felicidade tamém.

E não é que as duas não se largaram mais? Onde tava a boneca, lá tava a menina grudada. Pode ri, porque essa boneca já incardiu tanto que até gruda mesmo!

Óia, eu vou ti falá uma coisa: parece caduquice duma velha preta, disatinada por causa da idade, mais é que umas coisa muito isquisita acontece por essas banda. Ah, é um tal de alma penada desencarnando sabe lá Deus onde. É Saci, Mula-sem-cabeça, Curupira... Nossa Senhora! Já disse uma porção de veis que precisava mandá benzê esse sítio, mas ninguém me esculta.

Acredita se quiser, mas até um doutor com cara de coruja, qué dizê, com cara de Caramujo, apareceu aqui. Melhor dizendo, ele era um caramujo memo, com cara, corpo, jeito concha... ele tinha uns comprimido, as tal das pírula falante. Não é que a bonequinha tomou as pírula e disatô a falar feito gente? Falar e se mexer, diacho! Onde já se viu isso, gente?

Bom, daí por diante nóis começamo a cuidá, tratá e aceitá a danadinha como se fosse uma menina de verdade. Fazê o que, né? Largá a coitadinha por aí, a Deus dará, só por causa dum defeitinho bobo, desse? Nem se a gente quisesse, porque a netinha da patroa ia simbora junto cá boneca. Deus me livre! O que seria de nóis sem aquele narizinho arrebitado, aquela carinha de anjo...? e sem as matraquice da boneca? Esse sítio não ia ter a graça que tem, se a gente não visse e escutasse as molecagem desse capetinha em forma de gente. De gente ou de boneca? Sei lá, só sei que hoje o nosso sítio respira e cheira a trapo veio. Acho que por isso ela é a essência, a essência da nossa história. E da minha também, talvez.

Será possível ser mãe duma boneca? Sogra dum porco? Cruz credo! Esquece o que eu falei, já que esquecer da boneca ninguém vai mesmo. Ela não há de mofá, ao contrário de nóis.
_ _ _ _ _
Produção feita pelo acadêmico Paulo Ricardo. A visão que Tia Nastácia tem de Emília.

Após leitura de Monteiro Lobato, o 2° ano de Letras da Univille cria significativas representações de Emília, orientados pela Prof.a. Dra. Sueli Cagneti.  

Vale a pena conferir tanto as produções visuais como alguns dos ensaios produzidos individualmente que serão postados em sequência aqui no Blog do Prolij.

Para acompanhar de perto toda a produção, basta clicar no marcador ao lado: "Retratos de Emília".

Na última reunião do grupo "Reinações do Prolij", dia 22/09/2010, festejamos "em grande estilo" o aniversário do prolijiano Sílvio Leandro. Confira!!!

Tecnologia do Blogger.