Por Sueli de Souza Cagneti

Francisco, o menino protagonista de uma história – que na verdade quer nos contar outra – é um filho de português que vem com o pai para o Brasil para trabalharem com parentes aqui instalados. Eles chegam a São Paulo em meados do século XVII, em plena fase das expedições dos bandeirantes, cujas “entradas” consistiam não apenas em abrir caminhos, desbravando sertões, mas e, principalmente caçar índios e escravizá-los.
Francisco começa em suas descobertas brasileiras a caçar e engaiolar passarinhos para adquirir objetos para seus brinquedos, como cera e papel para construir pipas; depois bambu para construir as gaiolas e, negociando-as com os pássaros caçados, e adquirindo novos pertences, tais como vara de pescar, chapéu.
Vai daí que, ao aventurar-se com a autorização do pai em uma das bandeiras de caça aos índios, deixa seus pássaros aos cuidados do primo que, ao receber a incumbência lhe pede: solta o sabiá.
É com base nessa metáfora que Ruth Rocha vai construir toda a trajetória do menino/adolescente/homem no confronto com a barbárie humana. Em meio as belezas naturais que vai descobrindo em sua viagem, descobre também a dor dos aprisionados e a desumanização dos ditos humanizados.
Vale conferir até onde chegará o recém-iniciado personagem nos meandros do poder. E, aprendendo com ele, descobrir que todos os caminhos nos levam, muitas vezes, a “sabiás engaiolados”. Resta constatarmos se sabemos – como Francisco – quando e como soltá-los.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Solta o sabiá
Autora: Ruth Rocha
Editora: Companhia das Letrinhas
Ano: 2008


Por Alcione Pauli e Viviane de Cassia Romão Lucio dos Santos

As sereias realmente existem?  E, se existem, como foi que elas surgiram? Onde é que elas moram? Como é que aparecem? São tantos os questionamentos feitos desde os tempos mais antigos, em que as histórias eram contadas aos pés das fogueiras nos mais diversos povos indígenas para justificar o que somos e o porquê de estarmos aqui neste mundo desfrutando dessa natureza tão misteriosa...
Essas mesmas questões são levantadas pela turma de alunos da professora Carolina Spacaferro, personagem do livro “Jonas e a sereia”, em que Zélia Gattai aventura-se a contar, em forma de cordel, uma linda história de amor, cujo fruto é a própria sereia.
A linguagem é simples e envolvente, gostosa para ser declamada em voz alta e nos faz refletir que “pra quem ama de verdade, o impossível não há”, palavras de Jorge Amado, sabiamente citadas nessa recriação de uma lenda tão presente em nosso imaginário.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Jonas e a sereia
Autor: Zélia Gattai
Ilustrador: Flavio Morais
Editora: Companhia das Letrinhas
Ano: 2010

Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

Do que sobrou das religiões da Grécia antiga pouco aparece nos estudos de teologia. Mais fácil encontrá-las nos compêndios de mitologia ou obras literárias de apurado senso estético. Não se vê a circular pelas nossas cidades nem mesmo um homem que cultive as divindades do Olimpo ou pratique ritos em seu louvor. No entanto, quantas honrarias e pontos curriculares para o pesquisador de tais concepções religiosas.
Em nosso contexto brasileiro, parece que a orientação dada por Caminha ao rei de Portugal para “salvar essa gente” foi cumprida com requintes de excelência. Passados mais de cinco séculos, a religião dos povos indígenas virou vaga lembrança (mas sem tantas pompas acadêmicas) para alguns de seus seguidores ou admiradores. Felizmente há resistências... Em Urutópiag: a religião dos Pajés e dos Espíritos da Selva, de Yaguarê Yamã, editora Ibrasa, uma pesquisa realizada com pajés mostra práticas religiosas da crença tradicional dos Sateré-Mawés.
O livro aborda, de modo didático e profundo, a origem mística do universo, seus símbolos, mitos, fundamentos, liturgia e devoção. No mundo, feito em duas vezes pelos deuses: Tupana – o deus do bem e Yurupary – o deus do mal, coabitam seres encantados, visagens, espíritos e toda a sorte de seres viventes. “Senhores da vida e da existência, são os criadores do Sol e da Lua e da gigantesca Cobra-Grande (Mói wató Mãgkarú-sése) mãe de todas as serpentes, do corpo da qual fizeram o mundo” (p. 26).
De seus símbolos sagrados destacam-se o papagaio e a tukandera (formiga amazônica cujo veneno pode causar febre, vômito e dores violentas durante horas, podendo levar o indivíduo a morte). O preto e o vermelho são suas cores nacionais e, pela forte coloração, representam o ferrão da tukandera e o veneno das cobras como sinalizador de perigo.
Um dos pontos de destaque do livro diz respeito à pajelança, ou seja, a prática da medicina tradicional ligada à religião. A cura pode vir pelas ervas, pelos espíritos ou por ambos. Mediadores entre os sobrenaturais e os homens, os médicos da selva, herdaram o espírito curador de Anhyã-muasawyp, a primeira mulher que existiu no mundo, moça bondosa, conhecedora de todos os remédios e rituais de pajelanças que, depois de morrer, encarnou na sabedoria dos curandeiros. O autor observa que a derrubada das matas relega a existência desses seres fantásticos para regiões cada vez mais distantes, embora presentes como realidade.
Se, apesar dos poucos altares que restaram, o legado de mitos e heróis gregos continua vivo até nossos dias, por que não um olhar menos evangelizador e mais respeitoso com a ancestralidade de nossos povos primeiros? Boa leitura dessa obra escrita por um pesquisador vivente, nascido e criado no seio da cultura indígena brasileira.
           
FICHA TÉCNICA:

Obra: Urutópiag – a religião dos pajés e dos espíritos da selva
Autor: Yaguarê Yamã
Editora: Ibrasa
Ano: 2004


Por Sueli de Souza Cagneti

 Tsi
Passáro
Bödo
Sol
Má tô we âwitsi
Ele trouxe para cá
Bödo
Sol (...)” (p. 9)

Assim cantava Pedzeré. E ao cantar, catando folhas, ainda de nome Pedzeré encontrou o amor. Cheio de cores como todos os amores costumam ser em sua gênese.
Naná Martins, a autora de Pedzeré linhas e cores, poeticamente, através de uma história de amor, nos fala a respeito do mito indígena em torno da pintura corporal. Parece mesmo que nada se justifica sem o sentimento maior: ao menos, é o que deixa passar esse livro cujo canto da protagonista faz com que nos aproximemos mais desta cultura ancestral, que rendia homenagem ao sol, à terra, às aves. Enfim, à natureza.
Para nos aproximar ainda mais de tudo isso entrou em cena Maurício Negro com seu traço marcante, já nosso conhecido, mas sempre novo. Dessa vez, usando pigmentos naturais e recursos digitais nos coloca dentro, muito dentro, deste universo mágico natural que nossos irmãos primeiros tão bem souberam cultuar.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Pedzeré linhas e cores
Autora: Naná Martins
Ilustrações: Mauricio Negro
Editora: FTD
Ano: 2012

Encontro pedagógico com grupo de professores de Itapoá - 2009

Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

            Dentro da floresta é sempre noite. Noite, tão noite e tão escura, que difícil mesmo é quem não imagine e veja assombração. Ainda não querendo, tem de dar ouvido às palavras de Maria Macuim, que tudo cura e tudo sabe, inclusive, rezas para achar quem se perde na mata. Falam de sua intimidade com o Boto, de como imita o canto da Mãe-d’água e que é capaz de conversar com o jurapari.  
Naquela “noite de contar estrelas, mas sem apontar para não criar verrugas no dedo” (p. 10) o caçador adivinhou que não era um dia de sorte, ou seja, era um dia panema. Em torno dele, um ser assombroso: “tamanho de um menino de dez anos, mas com barriga de velho e todo o corpo coberto de pelos cinzentos” (...) cabelos vermelhos, dentes verdes, o nariz como bico de tucano, um único olho na testa, os pés virados para trás, o calcanhar para a frente (...) “se desloca no ar com as orelhas de abano que batem como asas e dão um voo curto”. (p. 28).
Se o caçador não tivesse confiando tanto em si e feito pouco-caso da recomendação da bruxa (ou seria fada?) Maria Macuim talvez tudo tivesse sido bem diferente: “ao entrar na mata, deixa logo um pedaço de fumo para agradar o Curupira... que ele é o protetor das árvores e dos animais” (p. 18). Nada mais para fazer! Agora, atônito, está diante do fantástico ser que deixou no ar um cheiro repugnante... Ficará panema o nosso caçador?
Recomendamos a imediata leitura d’ O curupira, de José Arthur Bogéa com ilustrações de Maxx, editora FTD. Afinal, melhor garantir um pouco de sorte “a partir da sabedoria tirada da experiência da vida vivida!”. (p. 21).


FICHA TÉCNICA:

Obra: O curupira
Autor: José Arthur Bogéa
Ilustrador: Maxx
Editora: FTD
Ano: 2002

Por Alcione Pauli e Maria Lúcia Rodrigues

As fábulas são formas de narrar histórias nas quais as características, os sentimentos e as manifestações humanas aparecem tendo como personagens os bichos.  Esta forma de contar história é antiga, e há registro que teve início no oriente e que Esopo popularizou a forma de escrever na Europa.
Daniel Munduruku, brasileiro, índio da nação Munduruku, conhecedor de mundo indígena traz a ancestralidade da forma elaborada por Esopo no século VI, e as ancestrais histórias contadas nas vozes dos índios do Brasil. A obra sob o título “As Peripécias do Jabuti”, discorre sobre como os indígenas enxergam o jabuti na sua cultura, e o que ele tem a nos ensinar.
A primeira peripécia narra com muita atenção o surpreendente caso em que o jabuti é testado pela raposa no que se refere ao conhecimento da natureza e a paciência. A raposa desafia o jabuti a ficar num buraco durante três anos. Como  ele irá vencer esse desafio? O que acontecerá com a raposa?
Na próxima fábula, o bicho que irá propor um desafio é o veado-catingueiro. E, ela irá propor a tradicional corrida. Como jabuti vence? Só jabuti e os leitores sabem.
Na última brincadeira, vem a onça que se irrita com o jabuti, por causa de uma cantiga “Do osso da onça fiz minha flauta”. O que a onça ganhará? O jabuti é que ganhará...Fim...fim...finfim!
Acompanhando o texto de Munduruku as aquarelas de Ciça Fittibaldi ilustram o livro com cores de um tempo remoto, dando às fábulas ares rupestre com pinceladas sucintas. Dispostas dentro de um projeto gráfico delicadamente pensado, as aquarelas passeiam em quadros de tamanho variado, conferindo dinamicidade ao olhar. As cenas ilustradas acompanham o contador de histórias do povo indígena, o velho pajé, que ora está na realidade da fogueira sob o olhar atento e curioso do seu povo, ora está a levar o ouvinte/leitor ao seu mundo encantado de contador. Os tons terrosos nas mãos de Fittibaldi ganham grande vivacidade e dialogam com a proposta de escrita de Munduruku e mergulham nas paisagens e nos seres da nossa terra.
Um texto que pode ser apresentado para todas as idades, uma narrativa que diverte sendo ouvida em voz alta e em silêncio!

FICHA TÉCNICA:

Obra: As Peripécias do Jabuti
Autor: Daniel Munduruku
Ilustradora: Ciça Fittipaldi
Editora: Mercuryo Jovem
Ano: 2007

Por Sueli de Souza Cagneti

                                               A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro, mas não
                                               Mais repetia já o mavioso nome de Iracema.
                                               Tudo passa sobre a Terra.” (Alencar, 2011, p.112)

Assim termina Iracema de José de Alencar, nosso mais importante escritor indianista, com um dos mais belos finais de romance já escritos, naquela que é considerada sua obra prima.
Em tempos de inserção da cultura, arte e literatura afro e indígena nas escolas – a partir de uma lei federal – nada mais convidativo que um olhar apurado sobre uma obra clássica, sem a justificativa de sempre: “precisamos ler esse livro porque vai cair no vestibular”.
Lida por um novo ângulo e auxiliados pelo professor, talvez seja o momento para Iracema – embora do século XIX – ser vista pelos alunos como uma narrativa, cuja beleza vai além dos procedimentos apontados pelo cânone. Ao ler o índio, sua história, sua arte, através dos livros infantis, juvenis e informativos que ora chegam ao mercado editorial e, em seguida à escola, por que não complementar essa visão com a clássica historia de amor de uma índia brasileira e um branco português, cujo filho Moacir (o nascido da dor) é a marca do início de uma nação?
E, se como disse Alencar, “tudo passa sobre a terra” o leitor brasileiro do século XXI, com certeza, tem por onde andar e ressignificar a ideia de nossa identidade, de nossas crenças e do próprio romantismo que – com seu autor maior – marcou o inicio de nossa Literatura Nacional. Afinal, a arte literária nos permite justamente essas possibilidades: de fazer sempre mais e maiores leituras de um mesmo texto. Esse aqui discutido, aliás, está de roupagem nova, numa edição cuidadosa, feita pela FTD, em 2011, com um interessante prefácio de Eliane Yunes e um posfácio, acompanhado de informações históricas, de Luis Antonio Aguiar.
Fica a sugestão e o desejo de que Alencar – apesar de sua assertiva - não passe!

FICHA TÉCNICA:

Obra: Iracema
Autor: José de Alencar
Editora: FTD
Ano: 2011 (edição renovada)

Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

            O amor – tema recorrente para todos os povos e culturas – faz sua morada neste opúsculo cujo título ilustra um belíssimo mito Karajá. A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo – e outras histórias indígenas de amor, de Daniel Munduruku, ilustrado por Mauricio Negro, editora Global, apresenta ao leitor uma antologia de cinco mitos indígenas. São narrativas que tratam desse sentimento tão humano, complexo, simples, passional, profundo, nostálgico, arrebatador, de todo modo, sempre paradoxal conforme atestado por Camões.
            Nas mais variadas culturas indígenas a experiência do amor – para além das questões constitutivas desse fenômeno humano – divide o protagonismo com elementos da natureza brasileira que, nesse caso, estão longe dos ambientes idílicos românticos de fuga ou servindo apenas como cenário para grandes paixões de romances indianistas alencarianos. Desse modo, não causa espanto a mais bela jovem da aldeia recusar o pedido de casamento de tantos pretendentes guerreiros, para ser desposada pela lua.“Nenhum amor ela desejava tanto como o da própria lua. Ser estrela era a felicidade suprema, algo que mais desejava nesta vida” (p. 12).
            Vale lembrar que o inverso também pode ocorrer. Eis que uma estrela feminina, Candiê-Cuei, toma a forma de uma bela moça e, comovida pelo sofrimento de um jovem viúvo, enamora-se dele. O mais inusitado: “Quando chegou a hora de partir para o céu, o jovem não permitiu que ela fosse embora. Vou colocar-te dentro deste porongo” (p. 19). E assim ficaram por muito tempo sem que ninguém soubesse o que estava acontecendo.
            Como em todas as sociedades, nem sempre os amores também possuem finais felizes. Trágica a história de Taulipang e Makuxi, filhos de duas famílias rivais que fogem para viver em paz, bem longe, para o outro lado do rio Tucutu. De fazer inveja a Shakespeare, “o grupo chorou o destino daquele casal que tanto se amava ao mesmo tempo em que agradeceu o presente que ele havia deixado para o bem de sua comunidade” (p. 28).
            Próximo do rio Araguaia, onde há tempos já viviam os valentes Karajás, outro conflito se instaura devido aos costumes locais. Denakê, a caçula, não podia se casar sem que Imaheró, a mais velha, não fosse desposada. No entanto, para infelicidade da mais nova, a primogênita não quer qualquer marido, decide seu casório com Tahina-Can, a maravilhosa estrela vésper. Depois de tanto desejar, consegue realizar o seu grande sonho. Mas a que preço?
            Venha encantar-se com essas histórias, com as magistrais ilustrações que compõem a atmosfera mítica que as envolvem e descobrir os mistérios e singularidades na forma de amar de povos que guardam e traduzem a nossa ancestralidade.   
                                              
FICHA TÉCNICA:

Obra: A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo – e outras histórias indígenas de amor
Autor: Daniel Munduruku
Ilustrador: Mauricio Negro
Editora: Global
Ano: 2007
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