deus pra mim é um caramujo,
disse-me ele.


um verso assim, por si só.
que ele não percebeu que poderia ser um verso.
até que falei.
e ele deixou, então, que fosse meu.


não deus.
nem o caramujo.


o verso mesmo.


porque a palavra,
depois de lançada
- publicada ou não –
já não mais é.


que nem deus.




ítalo puccini.
com este poema - abaixo -,
fazemos aqui no blog do prolij
um convite:
apresentarmos os poetas que somos
"nas horas vagas" de nossas escritas.


está lançado o desafio!
_ _ _ _ _ 
sem título


por ítalo puccini


eu sempre quis escrever um poema com sapatos.
vesti-los
e andar por aí a amaciá-los,
como que fazendo brotar dali um poema.

porque o poema, quando brota,
traz consigo um susto,
um estranhamento,
como de quem veste sapatos
para fazê-los,
ou usá-los,

poema e sapato.

mesmo que incompleto,
mesmo que sem sola,
eu sempre quis escrever um poema com sapatos.
por Ítalo Puccini*

É por aí que podemos pensar em “Ode a uma estrela”, do poeta chileno Pablo Neruda, com ilustrações de Elena Odriozola e tradução de Carlito Azevedo (Cosac Naify, 2009). Um poema longo. Talvez não tão longo, mas também não tão curto. Um poema esmiuçado em vinte e quatro páginas. Uma história construída em vinte e quatro páginas.
O que o leitor pode encontrar neste poema que se historia – e por que não nesta história que se poemiza? – é a descoberta do primeiro amor. Talvez não a descoberta propriamente dita, em sua completude de entendimento, mas sim um primeiro contato, necessário, muito necessário. É quando alguém consegue “Ao subir à noite / no terraço / de um arranha-céu altíssimo e aflitivo / (...) tocar a abóbada noturna / e em um ato de amor extraordinário / [apoderar-se] (...) de uma estrela celeste”.
Todo primeiro amor exige um segredo. Um segredo a dois, não mais, senão estraga, atrapalha, avacalha. Um segredo de liquidificador, como “com a estrela roubada em (...) [um] bolso”.
Um amor assim delicado, como canta Caetano Veloso. Um amor assim que requer cuidado por demais, demais: “De trêmulo cristal / parecia / e era / num átimo / como se levasse / um pacote de gelo / ou uma espada de arcanjo na cintura”. Talvez porque seja a estrela cantada por Vitor Ramil: “Estrela, estrela / Como ser assim / Tão só, tão só / E nunca sofrer”.
Um amor que se esconde na inocência pueril de não perdê-lo, nem sequer de mostrá-lo: “Guardei-a, / temeroso, / debaixo da cama / para que ninguém a descobrisse, (...)”. Porém, ah, porém: “(...) / sua luz (...) / atravessou / primeiro / a lã do colchão, / depois / as telhas, / e o telhado da minha casa”.
Um primeiro amor que perturba, sim. Será que só o primeiro amor mesmo faz isso?: “(...) / eu não podia / dar conta de todos / os meus deveres / cheguei a esquecer de pagar / as minhas contas / e fiquei sem pão nem mantimentos”.
Um primeiro amor que chama a atenção, tem jeito, não, viu?: “Enquanto isso, na rua, / se amotinavam / transeuntes, boêmios / vendedores / atraídos sem dúvida / pelo insólito clarão / que viam sair de minha janela”. Mas que mesmo assim tenta-se, ainda, proteger: “Então / recolhi / outra vez minha estrela, / com cuidado / a envolvi em um lenço / (...)”. Mas e se for mesmo a estrela de Ramil?: “Brilhar, brilhar / Quase sem querer / Deixar, deixar / Ser o que se é”.
Uma proteção muito própria. Uma proteção a dois, não mais que. Não mais que necessário mesmo. Uma proteção que se sabe definitiva: “Peguei a estrela da noite fria / e suavamente / lancei-a sobre as águas”. Isto porque pode, sim, ser a estrela, aquela: “É bom saber / Que és parte de mim / Assim como és / Parte das manhãs”.
Porque proteger, sabe-se, ou ao menos dever-se-ia, nada mais é do que libertar. E libertar nada mais do que é dar vida. E dar vida nada mais é do que proteger. Porque só se aprende vivendo. E cantando, como Ramil: “Eu canto, eu canto / Por poder te ver / No céu, no céu / Como um balão”. Não mais que: “E não me surpreendeu / notar que se afastava / como peixe insolúvel / movendo / na noite do rio / seu corpo de diamante”.
E nasce uma estrela.
E nasce um primeiro amor.
E se faz vida por um poema-história.

*Pesquisador-Voluntário do Prolij e Professor de Literatura para as Séries Finais do Ensino Fundamental.

Referências:

NERUDA, Pablo. Ode a uma estrela. Tradução: Carlito Azevedo. Ilustrações: Elena Odriozola. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

RAMIL, Vitor. Estrela, estrela. In: RAMIL, Vitor. Tambong. Rio de Janeiro: Satolep Music, 2000.
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