Por Sueli de Souza Cagneti

Potyra, cujo nome significa flor, é a protagonista dessa história em que amor e morte seguem juntos. Triste pela morte do marido, Guanaby morre, deixando a filha que – inconsolável – passa horas junto ao cajueiro, onde seu corpo foi enterrado. De tristeza e solidão, a menina morre também.
Segundo a crença Maraguá, a alma de Potyra deveria transformar-se em borboleta, porém, para manter-se ao lado da mãe, sua alma ficou presa numa flor próxima a sua sepultura.
Nasce daí o mito de origem do beija-flor. Bonito e simples no recontar de Yaguare Yamã, poético e libertador no traço de Taísa Borges, o livro sugere leveza, liberdade e cor à passagem da morte, principalmente, porque aqui ela não tem o foco de finitude, mas de reencontro ao amor que, talvez só ele, pode oportunizar.
A obra – além de bilíngue – é complementada no final com informações acerca do povo e da língua Maraguá, um idioma amazônico falado por poucos idosos indígenas, correndo risco de extinguir-se.  Aliás, vale ressaltar a importância da Coleção Peirópolis Mundo, cuja preocupação tem sido resgatar línguas ameaçadas de extinção, através de livros infanto-juvenis.

FICHA TÉCNICA:

Obra: A origem do beija-flor
Autor: Yaguare Yamã
Ilustradora: Taísa Borges
Editora: Peirópolis
Ano: 2012


                        
 Por Cleber Fabiano da Silva
        
         Da remota Grécia antiga, um navio singra os mares e o capitão avista uma sereia. “Uma sereia e um homem olharam um para o outro e entenderam tudo o que é preciso” (p. 10). Ela ficará conhecida nas narrativas de todos os tempos, pois a guerra entre Atenas e Tróia para resgatar Helena, transformou-se em clássico grego.  Apesar da paixão, “sozinha, na pedra deserta, olho para o mar e conto gaivotas no céu. A vida é assim: sem tristeza, sem pena, sem planos” (p. 14).
         Não tão distante de nós, “no fundo da mata virgem tinha um rio. Era o Uraricoera, que vinha não se sabe de onde e corria para os cafundós. Mas no meio do caminho havia muita coisa bonita para índio ver; e era por ali que viviam os tapanhumas” (p. 17). E dentre as belezuras todas estava Iara com seus cabelos mais verdes que o muiraquitã e com o canto mais lindo do que o uirapuru. Guanumbi queria ser bom cacique, melhor que seu pai. Todos tinham medo do canto da Iara. Ele não. Seguiu sua musa-música. Ci não aguentou a perda. “Morreu, virou estrela. Brilha até hoje em cima da bananeira” (p. 24).
         Tão perto que não se pode contar era a vez do menino da cidade ouvir, do outro lado do rio, sonora melodia. Mas de onde viria aquela voz? “Cantando tão lindo, nem aguda, nem grave. Sem delonga e sem pressa. Não era herói grego, nem nada. Não era índio atrás de deusas das águas. Só um menino encantado, encabulado” (p. 28). Resolveram cantar juntos. Afinal, a música sempre diz tudo. “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia...” (p. 27).
         Três histórias contadas pelas sereias Ária, Raia e Iara. Distintos contextos, muitos intertextos. Três épocas e três destinos.  Em A Iara, editora FTD, um reconto das lendas amazônicas narrado de modo inteligente e pós-moderno por Arthur Nestrovski e com o traço marcante e divertido de Caco Galhardo em seu livro de estréia como ilustrador na Literatura Infantil.


FICHA TÉCNICA:

Obra: A Iara
Autor: Arthur Nestrovski
Ilustrador: Caco Galhardo
Editora: FTD
Ano: 2002



Por Sonia Regina Reis Pegoretti

O livro “A princesa e a ervilha” de Rachel Isadora (Farol, 2011) fala da procura de um príncipe por sua princesa. Saiu viajando por muitos lugares, pertos e também distantes, mas teve dúvidas se suas candidatas eram verdadeiras princesas. De volta a sua casa, em um dia de tempestade, aparece uma bela moça toda encharcada se dizendo princesa. Será? Não iria demorar muito para a rainha descobrir sua verdade!
Típico de um conto de fadas, certo? O que deixa a obra de ISADORA rica são seus dez anos de viagem pelo continente africano na sua bagagem, o que a fez ilustrar essa história de acordo com aspectos da cultura africana. Trata-se de um revisitamento da obra de Hans Christian Andersen com o mesmo título publicado em 1835.
A ilustração rica em cores, com diferentes técnicas artísticas chama a atenção para vários detalhes na busca do príncipe por sua amada. A paisagem, animais, as roupas, as tatuagens, as danças, o trabalho e o relevo nos dão algumas referências acerca desse lugar. O conceito de “príncipe”, “princesa” e “reino” contextualizados na história também através das ilustrações fazem o leitor refletir sobre questões como o multiculturalismo. Outro ponto que vale destacar é o uso de diferentes linguagens e idiomas presentes no continente, mostrando a diversidade e a pluralidade africana.
O livro foi uma grata surpresa e pode provocar a imaginação do leitor, levando-o a outros caminhos e possibilidades.

FICHA TÉCNICA:

Obra: A princesa e a ervilha
Autora: Rachel Isadora
Editora: Farol
Ano: 2011

Abril Mundo 2008: Literatura em todas as formas - São Francisco do Sul/SC


Por Cleber Fabiano da Silva

O processo de “civilização” dos povos indígenas e a conversão ao catolicismo – empreendida pelos jesuítas logo após a chegada dos primeiros portugueses – deixaram marcas indeléveis ao nosso país. Estima-se que, nesta época, existiam aproximadamente 1.200 línguas distintas faladas pelos povos nativos que, tomando o tupi como base, foram reduzidas à criação de um idioma padrão: nheengatu.
Isso explica como, num país com dimensões continentais, as moradias dos “índios” fossem chamadas de ocas e tabas, o líder religioso: pajé, o líder local: cacique, os deuses mais conhecidos: Tupã e Jaci. Para completar: viviam nus, usavam cocares e com leves tapinhas na boca soltavam um sonoro u u u u u u... E pasmem: todos falavam tupi!
Com a proposta de mudar essa imagem e transformar esse pensamento (afinal, ainda hoje persistem cerca de 180 línguas e dialetos falados pelos nossos povos indígenas) apresentamos o ABC dos povos indígenas no Brasil, da educadora e antropóloga Marina Kahn, editora SM. O livro traz 26 verbetes correspondentes a cada letra do nosso alfabeto que mostram a riqueza étnica e linguística dessas culturas, de modo a ampliar o nosso conhecimento e inspirar novas leituras e pesquisas.
As ilustrações de Apo Fousek são um espetáculo à parte. Elas traduzem esse vasto, colorido e mosaico universo das culturas indígenas apresentando ao leitor – em tom poético e artístico – cenas cotidianas e momento ritualísticos que enchem os olhos e convidam-nos a mergulhar no que mais mágico e ancestral passamos ter como indivíduos e povos.
Malgrado a chuva na chegada dos portugueses e a falta de oportunidade para despi-los, como brincou nosso gaiato poeta Oswald de Andrade, parece-nos que a questão central de nossa identidade e brasilidade está para muito além do “tupi or not tupi”. That is not the question!

FICHA TÉCNICA:

Obra: ABC dos povos indígenas no Brasil
Autora: Marina Kahn
Ilustrador: Apo Fousek
Editora: SM
Ano: 2011

Por Viviane de Cassia Romão Lucio dos Santos e Alcione Pauli
Algumas fábulas, gênero textual conhecido por passar uma moral, são recontadas por Elias José no livro “Ao pé das fogueiras acesas”, proporcionando ao leitor uma viagem pelas histórias contadas pelos mais diversos povos indígenas brasileiros.
As ilustrações de André Neves são um deleite à parte, já que ele utiliza cores fortes e vibrantes e seu traço inconfundível para caracterizar a altura essas fábulas que nos fazem pensar...
A primeira história “O jabuti e a onça” mostra toda esperteza do jabuti que munido de canções ritmadas que as crianças vão adorar repetir, consegue não só livrar-se da poderosa onça, como também satirizá-la.
Novamente a inteligência da figura do jabuti é explorada na fábula “O jabuti e o elefante”.  Agora, o esperto jabuti conta com a ajuda da baleia para mostrar ao elefante recém-chegado da África ao nosso lindo Brasil, que a força não está só no corpo, está principalmente, na mente!
Divertida é a história “A esperteza do sapo”! O sapo, tal qual o jabuti, também é um animal muito esperto, porém será que ele dará conta de livrar-se da maldade dos meninos mais danados da rua? O poder das palavras mais uma vez é evidenciado nesta fábula.
E o homem, será mais esperto que o “mais esperto dos animais”, a raposa? Para conferir, o melhor é acompanhar João Tontão, homem simples e bondoso que se torna “vítima” das armações da Dona Raposa...
Outra que sofre nas patas da raposa é a onça na história intitulada “A raposa e a onça”. A faminta onça, que já se deixou enganar pelo jabuti, passa por maus bocados ouvindo a lábia da raposa que se diverte “pregando peças” naqueles que atravessam o seu caminho, mesmo que ele esteja limpinho...
Para finalizar, temos a típica “chata”: a aranha-caranguejeira... Sabe aquela criatura que só reclama, nunca está contente com nada e ainda dá aquele prejuízo? Pois você vai encontrá-la na fábula “As trapalhadas da aranha-caranguejeira”.
Um livro leve, para ser contado em voz alta ou lido num cantinho em silêncio, que proporcionará algumas reflexões e identificações!

FICHA TÉCNICA:

Obra: Ao pé das fogueiras acesas: fábulas indígenas brasileiras
Autor: Elias José
Ilustrador: André Neves
Editora: Paulinas
Ano: 2008
 
Abril Mundo 2007: Imagens que contam histórias

Por Cleber Fabiano da Silva

         Nas possibilidades criadas pela literatura, Afonso Ribeiro: um degredado português em nossa colônia, corrige um erro histórico. Trata-se das informações contidas no livro Mundus Novus que precisam ser contadas – tal e qual – nosso personagem relatou pessoalmente a Américo Vespúcio. Afinal “editores e tradutores, para agradar ao público e vender cada vez mais livros, foram-lhe acrescentando novos fatos e tantas maravilhas” (p. 06).
         No inteligentíssimo e envolvente romance histórico Degredado em Santa Cruz, de Sonia Sant’Anna, editora FTD, os primeiros dois anos após o descobrimento do Brasil são narrados de modo ficcional, mas, carregados de detalhes nem sempre contextualizados e relativizados pela nossa História. Afinal de contas, só mesmo alguém que estava a bordo da frota de Cabral (indo para o degredo nas Índias) poderia ser o autor de tão rico relato.
         A obra descreve a saída pelo Tejo, a chegada em Santa Cruz, o assombro entre indígenas e a tripulação, o modo de viver dos nativos, a guerra envolvendo os Tupiniki e, principalmente, uma panorâmica abordagem cultural e social de nossos habitantes primeiros. “Ao contrário do que eu imaginava, aquela gente não habitava sobre árvores ou em grutas. A taba se compunha de umas sete ou oito cabanas, tão compridas como nossas naus, com paredes e tetos de palha, em volta de um terreiro cercado por uma paliçada” (p. 36).
         Para além da narrativa ficcional e dos complementos e informações históricas, o requinte do projeto gráfico de Sylvain Barré e das ilustrações de Laurent Cardon dialogam, ampliam e preparam visualmente a sensibilidade do leitor.
         Na apresentação da autora, Sonia afirma que “sem ser historiadora, a História é uma de minhas paixões”. Para felicidade do brasileiro de todas as idades que pode embarcar nessa viagem à gênese de quem somos e deliciar-se com pitorescos momentos das memórias de nosso imaginário degredado, aliás, “um dos primeiros europeus a habitar essa terra que muitos começam a dar o nome de Brasil” (p. 104).

FICHA TÉCNICA:

Obra: Degredado em Santa Cruz
Autor: Sonia Sant’Anna
Ilustrador: Laurent Cardon
Editora: FTD
Ano: 2009

Palestra do escritor Daniel Munduruku no Abril Mundo 2010: "A Literatura e a Cultura do Índio Brasileiro"

Por Viviane de Cassia Romão Lucio dos Santos

Muitas pessoas dizem que é através do sofrimento que alcançamos as maiores conquistas... É essa premissa que torna o livro “Lila e o segredo da chuva” de David Conway e Jude Daly singelo e emocionante.
Lila, moradora de uma vila no Quênia, é uma menina sensível e determinada, que não se dá ao luxo de esperar o pior... Num país onde as gotas poderosas da chuva são raras, Lila, que valoriza a sapiência do avô, decide ir atrás do tesouro capaz de germinar, florescer, vivificar a sua vila tão adorada: a chuva!
As ilustrações são marcantes, com um traço delicado tal qual a protagonista dessa história que não tem medo de descobrir qual é o segredo da chuva, permitindo descobrir-se também.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Lila e o segredo da chuva
Autor: David Conway
Ilustradora: Jude Daly
Editora: Biruta
Ano: 2010

Por Georgia de Souza Cagneti

“Mas à noite quando olhas as estrelas, podes mesmo explicar aqueles brilhos com palavras de falar?”

Quando a gente encontra um livro assim, como A Bicicleta que tinha bigodes, de Ondjaki, também fica difícil de explicar. Esse mesmo mundo de sonho e sons silenciosos se abre para nós leitores. Um livro mágico? Com poderes? Sim, magicamente escrito e com todo o poder da prosa literária!
A história de um menino, sem nome, como tantos, que sonha em ganhar uma bicicleta. Que vive com uma avó, AvóDezanove, como tantas. Em Luanda, uma cidade como tantas. É o desenrolar do livro que é como poucos. Mesmo querendo saber o final, sente-se dó de acabá-lo, e depois vem uma vontade grande de voltar à companhia dessa gente de Angola, tão diferente, mas tão igual a cada um de nós.
O poder da escrita de Ondjaki é tamanho que nos faz rir chorando e chorar rindo, parece até que aprendemos a ver no escuro. Isso é arte! Falar de ditadura sem demagogia, dar vida às lembranças de cada leitor e ainda criar um laço afetivo com cada personagem. Isso é arte! E A bicleta que tinha bigodes transcende, é preciso lê-la para senti-la por inteiro.

FICHA TÉCNICA:

Obra: A bicicleta que tinha bigodes
Autor: Ondjaki
Editora: Pallas

Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

            A famosa carta a El-Rei Dom Manuel, escrita em abril de 1500, relata em forma de diário os nove dias que a frota de Cabral permaneceu no Brasil. De modo pormenorizado, nela são apresentados vários aspectos sobre o espaço, os caracteres físico-psíquicos e o modo de viver dos habitantes nativos, bem como, as possibilidades de exploração dessas novas terras.
De notável importância documental, essa epístola deve tornar-se conhecida de todo brasileiro por ser parte constitutiva de quem somos como povo e herdamos como cultura. Para tanto, há que se levar em conta, o seu registro num português arcaico e distante de nosso tempo, bem como, a necessidade de contextualização espacial e temporal para marcar a dimensão do assombro no momento do encontro dessas duas culturas.
Numa versão ilustrada em linguagem atual, A carta de Pero Vaz de Caminha, de Poliana Asturiano e Rodval Matias, editora FTD, o leitor poderá ter acesso a esse documento que permaneceu desconhecido por quase três séculos e foi publicado pela primeira vez em 1817. Com explicações sobre o autor, a obra, o período de expansão do comércio e da fé e as viagens dos portugueses, o livro proporciona um conhecimento do contexto e uma visão panorâmica dos fatos. Traz ainda detalhes sobre a frota, as naus, caravelas, as embarcações e seus capitães e os instrumentos de navegação são atualizados com riqueza de detalhes nessa inusitada viagem rumo à gênese de nossa história.
Embora não seja considerada literatura, trata-se de crônica histórica e serve como testemunho de um tempo marcado por uma visão de mundo mercantilista e pela necessidade de conversão a uma cristandade medieval. “A conversão dessa gente deve agradar ao Nosso Senhor, pois certamente são gente boa e de boa simplicidade. Podem ser facilmente amoldados, segundo o molde que lhes quiserem dar”. (p. 64)
A descrição dos nossos indígenas é feita pelos primeiros observadores do Brasil como um ser dócil, de quem se dizia da aparência: “A pele deles é parda, meio avermelhada. Eles têm bons rostos e narizes; e são bem feitos. Andam nus, sem nada que cubra seus corpos, e não fazem o menor caso de cobrir e mostrar suas vergonhas; e são tão inocentes nisso como ao mostrar o rosto”. (p. 29).
A leitura da missiva de Caminha permite compreender o imaginário edênico que por séculos povoa o modo como o estrangeiro e – o próprio brasileiro – percebe os nossos indígenas e a nossa terra, e informa (afinal já era essa a sua função) o caminho – percorrido ainda hoje por missionários, estudiosos, políticos – indicado por Caminha: “Porém o melhor fruto que se pode tirar dessa terra me parece ser salvar essa gente”. (p. 77).

FICHA TÉCNICA:

Obra: A carta de Pero Vaz de Caminha
Versão ilustrada de Poliana Asturiano e Rodval Matias
Editora: FTD
Ano: 2004
Tecnologia do Blogger.