Lara Cristina Victor
Maira de Carli
Isabela Giacomini
Laila Wilk Santos
*agradecimentos especiais à Nicole de Medeiros Barcelos, Alcione Pauli e Kauane Cambruzzi
No fim do ano há um ar diferenciado e um novo espírito nas pessoas, pois é tempo de festejar, de fazer encerramentos, de reunir-se com a família e amigos, de trocar presentes, de saborear pratos típicos, de comemorar as conquistas do ano e também de fazer projeções para o que está por vir. Por isso trouxemos aqui uma lista de obras que dialogam com esse período tão aguardado, seja pelo Natal, pelo ano-novo ou pelos reencontros. Confira abaixo nossas dicas literárias para a 3ª edição do especial de festividades natalinas e outras dessa época:


O Latke que não parava de gritar: uma história natalina, de Lemony Snicket e Lisa Brown- O natal é uma grande tradição cristã, comemorada todos os anos com um clima festivo muito especial. Na cultura judaica, no entanto, não é bem assim, comemora-se perto da época do natal cristão, no início de dezembro, o Chanucá (pronunciado como ranucá), mais conhecido como festa das luzes. Nesse período faz-se uma homenagem a uma vitória militar milagrosa de um exército judaico contra as imposições do rei sírio Antíoco, que impediu os judeus de seguirem sua religião há séculos. Essa comemoração dura oito dias, não por acaso, pois foi o tempo que o azeite dos militares durou para manterem seus candelabros acesos, especialmente o Chanuquiá, com nove braços. O Chanucá é uma festa judaica que faz parte da história bíblica desse povo, que usa o Torá (bíblia).

Nessa história, Latke, um bolinho de batata (prato tradicional nos chanucás), feito por uma família cristã, que comemora o natal em seu modo tradicional, com luzes, pinheirinho, ceia e presentes, é colocado para ser frito em uma frigideira com azeite de oliva. Desesperadamente, ele se põe a gritar e sai correndo pelas ruas da cidadela. No caminho, conversa com uma bengala doce, com alguns pisca-piscas e elementos de outra cultura que não o compreendem. Cansado de tanto correr e gritar se põe a descansar embaixo de um pinheiro. Mas como tudo nessa história é falante, o pinheiro também é e questiona se ele seria um presente sentado a seus pés. Latke tenta explicar que em sua cultura não funciona como no Natal cristão, e que as coisas são muito diferentes. Fala até um pouco sobre a história judaica, mas ninguém lhe dá ouvidos, até que uma família judaica surge e o leva para casa, onde novas aventuras acontecem. Latke, embora fosse um prato tradicional, feito para ser comido pelas pessoas, precisava estar dentro de um espaço que reconhecia sua história e seu valor, onde fosse aconchegado por pessoas que o compreendiam. Nessa aventura de um natal pra lá de diferente, temos a oportunidade de nos aproximar com a diversidade cultural, religiosa, com outras crenças e histórias. O livro Latke é sim uma história natalina, mas com um viés diferente do que estamos acostumados. As ilustrações são também muito simples, mas delicadas e coloridas, trazendo-nos a paz que esse espirito natalino, seja cristão, judaico ou de qualquer concepção e crença, necessita.

Aventurar-se por obras que abordam culturas tão diversas faz o leitor enriquecer seu repertório e permite que valorize outros modos de vida, que não precisam de presentes para comemorar, mas de lembranças simbólicas para serem relembradas em épocas especiais.


The case of the blue diamond, de Sir Arthur Conan Doyle- This story is about a diamond that disappeared from the Cosmopolitan Hotel and it was found inside of a good fat Christmas goose. It all started when Peterson, the doorman at the Barker Street Hotel, brought the goose and an old hat to Sherlock Holmes to look at. Peterson took it from a tall man after he was hit by men on the street in the morning of Christmas Day, when the tall man tried to hit them with his walking stick, he broke the window of a shop behind him, Peterson ran to the tall man to help him, but he ran away. When he ran, he left his Christmas goose and his hat, the blue diamond was found inside of the goose, but nobody knew how it happened.
  
The goose’s leg had a little ticket with “For Mr. and Mrs. Henry Baker, so the owner is called Henry Baker. They could find him through a newspaper advertisement. They found him and asked some questions about the goose. The tall man is innocent! He didn’t know anything about the diamond inside of his goose, he just wanted the goose to eat, but his information about the place where he bought the goose helped Sherlock to understand more things.

He got the bird at a goose pub near the British Museum, The Alpha, but there, they discovered that the geese came from Breckinridge’s Poulterer, a little shop in Covent Garden. They went there, but the owner didn’t want to say from who came the geese. When he was leaving the shop he heard a lot of noise coming from the Breckinridge’s Poulterer, a weak little man was arguing with the shop owner, he was James Ryder, the assistant manager of the hotel where the diamond was stolen.

Sherlock said to him that he would say what he wanted to know, but before, he should tell him some things. Mr. James Ryder told the truth, he stole the diamond and ran away to his sister’s house in South London, his sister had many geese in their garden, so he wanted to do something with that diamond, but he could not walk with it across London without the police officers get him. So he decided to take one of those geese and put the diamond into the bird’s mouth and now he could walk to Kilburn to visit his friend Maudsley, he could help to sell the diamond. However, when he got there, there was no diamond inside the goose, he had taken the wrong goose. He came back to his sister’s house, but there were no geese in the garden, they were sold to Breckinridge’s shop. Everything has been resolved and understood now. Sherlock didn’t tell the police because Mr. Ryder promised never do these things again, he was really felling sorry. They found a solution to the crime and that makes Sherlock happy. And it’s Christmas, after all, and Christmas is a time to be nice to other people.



Amigo secreto, de Eliandro Rocha e Sandra Lavandeira- Quer saber quem é meu amigo? Não posso contar, é SECRETO.


Este é um livro divertido, que aborda sobre a tradicional brincadeira de final de ano- de troca de presentes, mas de um jeito muito especial: valorizando a verdadeira amizade, nos mostrando que mais importante do que presentes ou estereótipos, são os amigos. Que podem ser iguais, ou totalmente diferentes. Mas o que realmente importa é o sentimento de amizade.


Quanto segredo! De Celso Sisto e Bruna Assis Brasil- O livro nos conta duas pequenas histórias, que são na verdade poemas. “A caixa de segredos” e “Roda de família” possuem musicalidade nas palavras rimadas que surgem como tipo de brincadeira para as crianças. Essa nova proposta de brincadeira textual e sonora apresenta um mundo diferente aos leitores. Em ambas, a diversão fica por conta dos versinhos, sem falar nos acontecimentos engraçados, como na primeira que o centro é uma caixinha usada para guardar muitos objetos, trecos e segredos e ai de quem xeretar ali, a segunda é repleta de perguntas, coisa bem comum as crianças. As perguntas e rimas feitas na roda de família tornam o poema mais próximo, pois nos fazem lembrar de reuniões familiares, crianças correndo para todos os lados e enchendo os mais velhos de perguntas como “se o dragão tem escama” ou “se caranguejo sai da lama”. Família reunida, rima com comida! E é assim que a prosa poética Roda de família trata desse momento: roda de família, principalmente em época de fim de ano, e as tantas perguntas feitas pela criançada.


Nada de presente, de Patrick Mcdonnel- O Natal está chegando, e nada melhor para entrar no clima do que uma boa narrativa sobre presentes e lembranças. Com poucas palavras e ilustrações singelas, “Nada de Presente”, de Patrick Mcdonnel, traz uma linda história sobre amizade que nos faz refletir sobre o verdadeiro significado dos presentes. Com humor, delicadeza e até mesmo um pouco de filosofia, o gatinho Mooch procura o presente perfeito para seu melhor amigo, algo que, com certeza, todos podemos nos identificar. E é essa jornada que nos ajuda a lembrar o verdadeiro valor da amizade, e o quão bom é passar o tempo com nossos amigos. E que às vezes, um nada pode ser um mundo de coisas.


Como o Grinch roubou o Natal, de Dr. Seuss- Todo Quem da Quemlândia gostava muito do Natal. Já Grinch, que morava ao norte da Quemlândia, não achava o Natal nada legal! Pra falar a verdade, ele odiava o Natal. Talvez porque tivesse um jeito meio amalucado. Ou porque seus sapatos eram muito apertados. No entanto, a real explicação é que ele não tinha um grande coração. Na véspera de Natal, lá estava Grinch, com um mau humor do cão, no alto de sua caverna, amargo e grinchoso. Ele odiava todo aquele barulho do Natal, odiava aquele enorme banquemte que os Quem sempre faziam, odiava aquela lambuzeira de quemdim e de rosbicho e também aquela irritante quemtoria. Ele pensava: “Eu tenho que dar um jeito para o Natal ser cancelado!”. Mas será que o Natal seria mesmo cancelado? Grinch teve uma ideia! Grinch teve uma ótima péssima ideia! Que envolvia paletó, gorro, rena e até um trenó! Grinch soltou um risinho cruel que até seu cachorro Max entrou nessa maluquice.


Essa é uma história engraçada, que conta como Grinch descobriu um outro significado para o Natal. E foi bem na Quemlândia, o comentário era geral: diziam que, naquele dia, o coração do Grinch ficou três vezes maior que o tamanho original!


Quem tem medo do novo? De Ruth Rocha e Mariana Massarani- Quem tem medo do novo fala de uma maneira muito poética sobre as mudanças que ocorrem em nossas vidas, sobre as transformações pelas quais passamos, sobre novos lugares que visitamos, sobre coisas que experimentamos, sobre pessoas que conhecemos: sobre estar em constante movimento. A obra mostra que fazer alterações nem sempre é ruim, que muitas vezes mudar nossa opinião nos faz um bem imenso, pois podemos saber a dos outros; que mudar de endereço permite que nos aproximemos de realidades diferentes; que mudar o estilo pode ser prazeroso; e, sobretudo, que viver é arriscar-se e adaptar-se. Além dessa temática interessantíssima para ser trabalhada com leitores de todas as idades, o livro é repleto de rimas, despertando uma curiosidade ainda maior pelas palavras que estão por vir para completarem essa sonoridade gostosa. As ilustrações são bastante coloridas, divertidas e mostram também essas grandes possibilidades e diversidades que temos, afinal, como a própria autora já diz: quem para é poste, a vida, é puro movimento. Essa é uma obra para se pensar na nossa virada de ano também, em quais movimentações faremos, por quais transformações precisaremos passar e principalmente para não termos medo do novo, pois tudo poderá nos surpreender!


Lara Cristina Victor é aluna do curso de Psicologia na Univille. Atua como bolsista no Prolij e vê em cada criança um pouquinho de si mesma.

Maira de Carli é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e encontra nas palavras segredos que são capazes de abrir fechaduras.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.






Isabela Giacomini
A menina bonita do laço de fita é muito linda, com olhos de azeitonas pretas, cabelos negros, enrolados, com trancinhas e pele escura como a noite. Por conta de tanta beleza acaba chamando a atenção de um de seus vizinhos- um coelho branco que se encanta com a aparência dela, especialmente por sua cor. O coelho fica tão curioso com a sua pele que quer logo descobrir o segredo, pois também quer ser assim, ou pelo menos ter uma filha como ela. Após ter ouvido alguns comentários da menina, como:  “fiquei assim de tanto tomar café”, entre outras “dicas”, o coelho passa a tentar de tudo, mas sem sucesso. Ele percebe então, após uma conversa com a mãe da menina do laço de fita, que para seu sonho ser alcançado, teria que casar com uma coelha escura e esperar sua tão sonhada filha negra.  O coelho vai então se aventurar e correr atrás de seu desejo. Com uma narrativa muito simples, Ana Maria Machado traz a inserção da criança negra para a literatura infantil, suscitando no personagem que é branco uma curiosidade e um desejo de ser assim também.
No entanto, um possível contraponto à narrativa é a questão de o coelho querer ser da cor da menina por diversos meios, não aceitando as suas características físicas. Ele também deseja muito ter uma filha negra, como se a cor fosse uma questão de preferência e não de aceitar a natureza dos seres que estão por vir e que estão ao seu redor. A questão da diversidade é trazida de fato, mas há um sentimento negativo do coelho em relação a si próprio. Esse é um dos pontos cruciais na luta contra o preconceito: a aceitação consigo mesmo, pois somente a partir dela que o indivíduo passará a ver os demais com humanidade e igualdade.

O livro em questão é muito interessante para ser levado para discussão em sala de aula ou outros espaços, justamente para abordar as questões étnico-raciais, mas também para falar das possíveis críticas, lembrando-se sempre de levar em consideração o contexto em que a obra foi escrita, características do autor e elementos que possam ter alterado algumas das concepções apresentadas. Menina bonita do laço de fita é com certeza um dos clássicos da literatura infantil, por motivos muito reconhecíveis, principalmente o da valorização do negro na narrativa, desmistificando alguns preconceitos já enraizados socialmente, mas precisa fazer parte de uma leitura mediada, para que a criança, o jovem e o leitor de qualquer idade também se coloquem a fazer questionamentos, afinal de contas, o principal é se aceitar para conseguir respeitar os outros como seus iguais.
Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.

Lara Cristina Victor
Isabela Giacomini
Que tal falar sobre o negro na nossa sociedade e também de sua valorização? A resenha a seguir é um exemplo de como a literatura aborda temáticas tão pertinentes, que precisam ser pauta das discussões sociais. A menina que desejava ter outro tipo de cabelo acaba se descobrindo e se amando da forma que é, sem precisar aderir a padrões, a mudar sua essência, sua identidade ou sua personalidade. Essa possibilidade surge quando o meio em que a pessoa está inserida mostra sua importância, sem discriminação e sem exclusão. Não se trata apenas de uma questão de aceitar ou recusar alguém, mas de ser humano e enxergar os indivíduos como tais, independentemente de suas características. O negro é constituinte de nossa cultura, de nossos costumes e do nosso povo, somos dessa forma atualmente justamente porque houve essa mistura de diferentes povos e locais. Negar a sua importância é, sobretudo, negar a própria constituição do Brasil dada socio historicamente. É por isso que precisamos falar sobre esse assunto com pessoas de todas as idades, afinal somos fruto dessa trajetória. Somente quando o preconceito for menor que a humanidade é que haverá espaço de diálogo, de trocas, de sentimento de pertencimento à sociedade. É um pouco sobre isso que o livro a seguir vai tratar, sendo também um ótimo ponto de partida para trabalhar a temática em espaços educacionais, confira:


“As tranças de Bintou” é uma história muito sensível de uma menina que tinha apenas quatro birotes na cabeça e que sonhava fortemente com longas tranças em seu cabelo, enfeitadas com pedras coloridas e conchinhas, iguaizinhas aquelas que ele via no cabelo de suas irmãs e das amigas de suas irmãs. No decorrer da história, Bintou descobre o porquê de meninas não poderem usar tranças, e descobre também algumas outras coisas que sua avó Soukeye conta sobre os costumes africanos. É através dos conselhos dos mais velhos e de sua própria coragem, que Bintou aprende a amar seu cabelo negro e brilhante, macio e bonito, e também a amar a si mesma. E é nesta data tão importante, que destacamos o Dia da Consciência Negra, fazendo-nos reconhecer os descendentes africanos na constituição e na construção da sociedade brasileira, assim como a importância de valorizar um povo que contribuiu fortemente para o desenvolvimento da nossa cultura. E salientando sobre a oportunidade de discutir sobre temas como racismo, discriminação, igualdade social, inclusão do negro na sociedade, religião, culturas afro-brasileiras, dentre outros.


Lara Cristina Victor é aluna do curso de Psicologia na Univille. Atua como bolsista no Prolij e vê em cada criança um pouquinho de si mesma.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.


Maira de Carli
Isabela Giacomini
Que tal dar uma volta pelos clássicos, mas de uma forma nova e com uma proposta incrível? Esse é o propósito dos revisitamentos, confira abaixo algumas dessas histórias de cara nova:

Oito pares de sapatos de Cinderela: Cinderela tem muitos sapatinhos, mas só pode escolher um. Na verdade, quem escolhe é o leitor, assim como toda a continuação da história. O livro possibilita que escolhamos qual será o caminho percorrido por Cinderela para chegar ao desfecho da trama, tornando a interatividade ainda mais presente.

Essa característica híbrida da literatura infantil faz com que nos aproximemos do texto verbal de um modo ainda mais significativo, pois a cada página escolhida uma nova situação, completamente inusitada, aparece. Oito pares de sapatos de Cinderela revisita o texto tradicional de Perrault com aspectos modernos e contemporâneos, como a presença de máquinas, de expressões não esperadas e de sapatos bastante diferenciados, mas mantendo-o como base, já que a liberdade não é irrestrita nesse processo de hibridização.

Os autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta trazem os traços da não linearidade, uma vez que a narrativa se constitui através de páginas aleatórias que se complementam a partir das decisões feitas por aquele que as lê, aspecto esse notável nas produções híbridas e multissemióticas presentes na contemporaneidade. As ilustrações de Raul Fernandes também se comunicam com as escolhas feitas, principalmente no momento em que todos os sapatos aparecem no centro da página, mas dispostos separadamente, para que cada possível continuação tenha sua totalidade. Essa preocupação com cada elemento utilizado faz com que o leitor se aproxime de maneira muito significativa da produção literária, em uma constante de criatividade e de surpreendimento a cada opção oferecida.


Branca de Neve e as Sete Versões: é mais um daqueles livros que o final fica por sua conta. José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta os autores do livro, mais uma vez, instigam em seus leitores o desejo de fazer parte da história, ainda que seja escolhendo a continuação. A cada escolha o leitor se apropria da narrativa e se permite viver novas possibilidades dentro de um clássico como Branca de Neve.

Já na primeira página encontramos uma frase que pode definir a proposta do livro: “são tantas possibilidades, tudo tem sempre tantas possibilidades...” e é assim que apreciamos as sete versões de Branca de Neve e as inúmeras possibilidades de escolha. Você pode escolher se o espelho mentirá para a Madrasta ou dirá a verdade, se escolher a primeira saiba que o final será curto e bem triste, mas a decisão é sua. Ainda, o caçador deve ou não matar Branca de Neve? Se escolher que deve, adianto que o final será um pouquinho mais longo, mas ainda assim será muito triste principalmente para o caçador que de tanto remorso se entregará a polícia e acabará preso, ele e a Madrasta. Já pensou em uma Branca de Neve bagunceira? O livro lhe dá essa possibilidade, e se assim você escolher deve também saber que o fim de Branca de Neve não será feliz, pois ela será expulsa da casa dos sete anões, passará sua vida caçando esquilos e coelhos e roubando os ovos dos ninhos dos pássaros causando terror na floresta e a indignação dos bichinhos que ainda não foram mortos por ela, e esses tramam uma emboscada e matam Branca de Neve.

E quando a Madrasta oferecer a tal maçã envenenada, Branca de Neve deve guardá-la para mais tarde ou comê-la na mesma hora? Se ela guardar para depois certamente o final será triste para todos, até para os anões que comerão da torta de maçã envenenada prepara por Branca e todos dormirão para sempre! Mas se acha que ela deve comer sozinha sabe também que morrerá. E agora sua escolha é o que os Sete Anões farão com seu corpo: enterrar ou colocar numa caixa de vidro? Se escolher por enterrá-la saiba que a consequência será tenebrosa, já que à meia noite a princesa sairá da tumba e se transformará numa vampira. Os Sete Anões também serão transformados em vampirinhos depois de serem mordidos pela Princesa das Trevas, a Branca de Neve. Mas se ela for colocada na caixa de vidro sua escolha é por quem Branca será encontrada: pelo Caçador ou pelo Príncipe? Se escolher pelo Caçador o fim da Princesa será o divórcio e ela viverá sozinha (por enquanto) numa grande cidade com a profissão de veterinária. Se escolher pelo Príncipe deverá decidir se foram felizes ou não. Se desejas um final feliz saiba que Branca de Neve não ficará feliz longe de seus amiguinhos Anões, escolha, portanto, pela felicidade do casal, que assim todos serão felizes para sempre! E acredite, o final é bem parecido com o começo.

Chapeuzinhos Coloridos: nos conta as histórias de seis meninas muito amadas por suas avós, tão amadas que ganham uma capinha com capuz, cada uma de uma cor, tem azul, cor de Abóbora, verde, branco, lilás e preto também. De tanto que usaram ficaram conhecidas pela cor de seus chapeuzinhos. Em cada história há um desfecho surpreendente para os personagens, assim se torna possível escolher qual é a mais divertida, se é que tem como escolher uma só.

Já se ouviu falar de muitas Chapeuzinhos por aí, mas duvido que sejam como essas, tem uma que come o lobo, outra o faz seu bichinho de estimação, tem também uma que fica amiga do Lobo dos lobos, mais conhecido como Tempo; já outra explode e fica em pedacinhos, uma só pensa em dinheiro e a outra em comida, uma quer ser famosa e uma outra é tristinha porque tem saudades de seu pai. Mesmo assim todas têm um final feliz!

E o mais divertido desse livro é que podemos mexer nas histórias e criar a nossa própria Chapeuzinho, listrada, de bolinhas ou até coraçãozinhos, podemos inventá-las de todos os jeitos e tamanhos.

Maira de Carli é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e encontra nas palavras segredos que são capazes de abrir fechaduras. 

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.






Isabela Giacomini
O livro Reinações de Narizinho foi publicado por Monteiro Lobato no ano de 1931 e é a primeira obra que compõe a série intitulada de “Sítio do Picapau Amarelo”, que veio a fazer muito sucesso tanto na literatura como na série televisiva. A importância de tal obra, assim como várias outras de sua produção, é imensurável, uma vez que leitores de Lobato são atualmente os escritores de renome que beberam dessa leitura e escritura e se influenciaram para escrever para crianças e jovens nos dias de hoje. Em Reinações de Narizinho temos várias pequenas histórias que parecem isoladas e que focam em personagens distintos, mas que estão interligadas em muitos aspectos, não somente pela linearidade narrativa, mas pela conexão dos acontecimentos no decorrer de cada aventura, seja através dos personagens ou de universos imaginativos coexistentes.

O livro inicia contando um pouco sobre a vida de Lúcia, também conhecida como Narizinho, por conta de seu nariz arrebitado, que vive no Sítio do Picapau Amarelo com sua avó, Dona Benta, e com uma criada, Tia Nastácia.  Lá também existem outras personagens como Rabicó, um porquinho de estimação que está sendo preparado para o abate na época de virada de ano e a boneca Emília, inicialmente muda, mas que com o desenrolar de diversas aventuras acaba por se tornar uma boneca para lá de falante, coisa de um tal de doutor Caramujo do Reino das Águas Claras.

E por falar no Reino das Águas Claras, é por lá mesmo que a aventura de Narizinho e da boneca Emília começa para valer. Lá elas têm contato com diversos animais aquáticos, principalmente com o príncipe escamado e com Miss Sardine, mas também com outros um tanto quanto diferentes para o fundo do mar como a Dona Aranha Costureira, a Dona Barata da Carochinha, Pequeno Polegar e tantos outros personagens de universos literários diversos.

O episódio do reino localizado no fundo do mar se mistura com a questão da pílula falante tomada pela boneca Emília e também com a chegada do primo Pedrinho ao Sítio. Cada nova história vai se entrelaçando a primeira e a segunda e assim sucessivamente, até que todos os personagens conhecidos do Sítio do Picapau Amarelo, do mundo das fábulas, das mil e uma noites, das princesas e de tantos outros lugares acabam se mesclando, formando várias histórias dentro de uma. É como se Lobato construísse uma colcha de retalhos a cada nova personagem, a cada aventura em que os meninos são convidados e a cada imaginação mirabolante que possuem.


É interessante também avaliar que a boneca Emília, ou Condessa das Três Estrelinhas ou ainda Marquesa de Rabicó, ganha um espaço muito significativo na casa. Dona Benta e Tia Nastácia que duvidavam das imaginações infantis acabam se surpreendendo com tudo que pode acontecer se transportando para outros universos e perspectivas, seja usando o pó de Pirlimpimpim ou não. Primeiramente o episódio de uma boneca falante as assusta, mas com o tempo se torna natural e imprescindível para suas relações e para os momentos de convivência, principalmente nas decisões, nas novas ideias e nas contações de histórias antes de dormir. A boneca ganha tanto espaço que parece por vezes a protagonista, enquanto na verdade esse papel seria de Narizinho. É nesse livro que a síntese de toda a formação do Sítio é trabalhada, de como cada personagem passa a integrar essa grande família, de como os malvados aparecem e o que cada um faz para ganhar o coração da vó bondosa que é Dona Benta.

Lobato traz ainda um traço fortíssimo que é o revisitamento de outras narrativas, sejam elas orientais ou ocidentais. Princesas com Branca de Neve e Cinderela entram em cena, assim como Barba Azul, Capitão Gancho, Soldadinho de Chumbo, Sininho, Peter Pan, Chapeuzinho Vermelho, Aladim, Simbad, Sherazade, Pinóquio e tantos outros. Essa fusão de diferentes esferas literárias entra em comunicação de uma maneira natural e encantadora e permite que o leitor associe coisas já lidas a algo novo e a outro contexto.

É justamente por essa grande mistura de histórias que Lobato é trazido para a contemporaneidade em que a questão da autoria é posta em cheque, uma vez que todos os textos estão repletos de outros discursos e de falas e pensamentos de outros indivíduos. É também por suas críticas já existentes nessa e em outras de suas obras que vemos alguns tipos de preconceitos e de ideologias serem desconstruídas, como a não violência aos animais, o combate ao desmatamento, a repreensão pela corrupção e trapaça, o preconceito racial ser refutado, a arte estar desassociada de uma concepção de falta de trabalho e tantos outros pontos que os próprios personagens colocam em embate. Alguns, provavelmente não leitores de Lobato, mas apenas de alguns de seus excertos fora do global, ainda dizem que ele precisa ser banido dos espaços educacionais por ser preconceituoso, enquanto na verdade essas ideias são desmanchadas na própria narrativa pelo comportamento de suas personagens, ainda que ele tenha escrito suas obras na primeira metade do século XX. Isso mostra o quanto a frente ele pensava e o quanto ele refletia sobre sua realidade, enquanto grande parte da sociedade de sua época e contexto naturalizavam ações amplamente repreensíveis na atualidade.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura lobatiana uma oportunidade para voltar a ser criança. 


Lara Cristina Victor
Isabela Giacomini
Maira de Carli
Os sete contos de arrepiar de Flávio Morais narram histórias para lá de esquisitas e cumprem muito bem o que é prometido no título: arrepiar! Que tal usar e se inspirar nesses contos para tornar o Halloween ainda mais assustador?

O plano do capeta é o primeiro conto do livro e demonstra as artimanhas usadas para separar um casal que vivia em uma união tão bonita. O plano é meticulosamente elaborado por um gato de pelos negros que tanto fez que quase obteve sucesso nas maldades contra o casal. O motivo de tal plano? A inveja da união que causava nojo no suposto “gato”. Ele, gato tinhoso, não desistiu até ver a infelicidade do casal, mas acabou surpreendido pelo final dessa história.

A lição da caveira é o segundo conto de arrepiar que Flávio traz nesse livro e fala sobre um homem que não podia imaginar a tragédia que estava prestes a viver por testar sua coragem entrando naquele cemitério e perguntando à caveira sobre seu assassino, e muito menos sobre o lugar que sua língua o levaria. E é graças a ela que aprendemos uma grande lição: há muito tempo um forasteiro tomou uma lição inusitada de um ser mais inusitado ainda. Por essa ele não esperava, o silêncio que tanto desejou nas primeiras respostas é o que o leva a mais valiosa lição: a língua

O cão-de-espeto conta a história de Pedro, o filho mais novo de três irmãos, que depois de suas maldosas ações foi amaldiçoado pela mãe, uma senhora já viúva que não aguentava mais as travessuras do filho. No auge da raiva praguejou o menino dizendo que de Deus ele não era filho, mas sim do cão.
Certo dia, quando Pedro estava pastoreando uma roça de arroz, sua mãe mandou que o filho mais velho, João, fosse levar comida a Pedro que deveria estar morrendo da fome. Tanto estava que se viu uma cena de arrepiar, o menino estava fazendo um churrasco apetitoso com a própria carne do antebraço. A mãe não acreditou no que João havia contado e mandou que o filho do meio fosse depressa, porque Pedro deveria estar com muita fome, mas dessa vez o churrasco era de suas pernas. A mãe resolveu que iria ela mesma levar a comida, pois achava que era maldade dos filhos contra Pedro. Chegando lá não acreditou na cena. O menino estava afiando os cotocos dos braços e das pernas em uma pedra e assim ficou conhecido como O cão-de-espeto, por causa dos seus ossos afiados.


Forró no inferno é a história de um velho sanfoneiro que afirmava já ter participado de um forró dentro do inferno. Contou ele, que havia tocado em uma festa que durou por três dias seguidos e ao chegar em casa se encontrava completamente esgotado. Eis então, que bate à sua porta, um cavaleiro ricamente trajado, montado em um grandioso corcel negro. Quando o sanfoneiro aparece na porta, o cavaleiro o apresenta uma atrativa proposta de tocar em uma festa, valendo muito dinheiro. O sanfoneiro reluta de início, mas acaba por aceitar. Os dois cavalgam estrada afora, até uma misteriosa encruzilhada. O sanfoneiro fecha os olhos por alguns segundos – como solicitado pelo cavaleiro – e, ao abrir, se depara com um ambiente esquisito e um calor insuportável, com pessoas estranhas e tachos fumegantes. Descobre que o convidado de honra da festa era o dono de um engenho. Mesmo diante dessa situação desagradável, o sanfoneiro se põe a tocar de forma interrupta. Sem percebeu o tempo passar, quando abre os olhos, percebe que a festa já tinha acabado. O sanfoneiro segue o cavaleiro e montando no cavalo, seguem viagem para casa, até se deparar com a encruzilhada novamente, e como da vez anterior, fecha os olhos e se depara próximo a sua casa. Pega o montante de dinheiro entregue pelo cavaleiro e pega o rumo de volta para casa. Ao chegar, é interrogado pela mulher, perguntando onde estava esse tempo todo. O sanfoneiro sem entender muito bem, responde que estava a tocar em uma festa. Sua mulher afirma que ele estara fora já faziam três dias. Ele indignado lhe conta quem era o convidado de honra da festa e a mulher com um pulo de espanto responde que o dono do engenho vizinho havia morrido faziam três dias, justamente na noite em que o marido saiu. E assim termina essa história assombrosa do sanfoneiro que tocava forró no inferno. E para os que não acreditam, ele guarda apenas uma nota do dinheiro que recebera do Satanás como prova da veracidade dessa história macabra.

Uma noite muito estranha é a história de três irmãos que haviam deixado o lar paterno em busca de um grande tesouro em algum lugar. Nessa assustadora aventura, passavam por cavernas, furnas e cadáveres despedaçados. Nada abalava os espíritos dos intrépidos jovens, exceto a aventura de uma noite que vivenciaram. Foi assim: estavam visitando uma região ainda desconhecida na floresta, onde se via enormes grotas de pedras que obstruíam o caminho. Os meninos precisavam de uma clareira na mata para descansar e preparar alguma comida. Quando estava quase escurecendo, avistaram uma velha cabana abandonada no meio do mato. Apesar do ambiente meio macabro, decidiram passar a noite ali mesmo. Abriram a porta e logo de cara tiveram uma surpresa: um esqueleto humano que estava em cima da cama. Ao ver os longos cabelos pendidos sobre a cama, imaginaram ser aquele um corpo feminino. Por estarem acostumados com cenas até piores, nada mais fizeram além de ignorar a companhia sinistra que estava por ali. Logo em seguida, começaram a acender o fogo para assar a carne de uma suculenta ave abatida horas antes. Durante o preparo da janta, os meninos conversavam entre si. Um deles confessou o enorme desejo de ter uma linda morena que lhe cobrisse de carinhos, pois faziam meses que ele não via uma mulher. Em meio às conversas, eles ouviram um barulho estranho. Era uma canção que vinha de uma voz feminina. O som foi se aproximando até que aparecesse uma bela moça na frente dos meninos. Esta então, se ofereceu para assar a carne. Os irmãos estavam estranhando muito aquela situação, porém permitiram que a moça preparasse o jantar. Não demorou muito e aconteceu um fenômeno assustador. Os olhos da moça começaram a faiscar e da sua boca saíram grande labaredas vermelhas. Apavorados os meninos saem correndo mata afora, até encontrarem uma grande árvore, da qual escalaram e ficaram lá no alto, tremendo de tanto medo. Minutos depois, a moça – que já não tinha mais a mesma aparência bela – surge como um grande redemoinho no meio da floresta, destruindo tudo que estivesse no caminho. Ela começa a subir, flutuando no ar, dando gargalhadas. Quando estava perto o bastante dos meninos, ouviu-se de longe o cantar de um galo. Eram duas da madrugada. É nesse momento que todas as criaturas sobrenaturais têm de retornar para o outro mundo. A terrível criatura grita furiosa: “isso foi o que os salvou, infelizes”, e complementa que voltará em breve, pois seu corpo ainda não havia sido sepultado. Dizendo isso, sumiu em meio a um clarão. Os rapazes mais que depressa saem correndo desesperadamente para enterrar aquele esqueleto. Após essa experiência aterrorizante, eles voltam à terra natal, sem mais tocar nessa horripilante história novamente.

A ave e o caçador conta sobre a vida de um casal, aparentemente muito feliz, que vivia do extrativismo, próximo a uma floresta. Porém, em uma época muito difícil, o marido não estava mais encontrando nada para caçar. A mulher já estava uma fera por não ter o que cozinhar e o marido, muito faminto. Cansado da situação, ele saiu para caçar o que quer que fosse e prometeu que naquele dia teriam um banquete, nem que tivesse que trazer o “filho do demo” morto para a refeição. A mulher, muito supersticiosa quis que o marido ficasse em casa, pois se proferira essas palavras era capaz de atrair alguma coisa maligna pelo caminho. Sem dar ouvidos, ele saiu para a caçada e andou incansavelmente até encontrar uma ave negra, muita estranha e desconhecida, talvez fosse um corvo. A mulher ficou assustada ao ver tão horripilante animal, mas como a fome era tamanha, não hesitou em colocá-lo no fogão. E eis que o mais inesperado aconteceu: o pássaro começou a se revirar dentro da panela com água fervente e, no mesmo instante, um grande estrondo atingiu a porta e uma criatura terrível apareceu para mudar o rumo de tudo que estava por acontecer. Depois desse dia o homem aprendeu uma grande lição e viu que o conselho de sua mulher poderia estar mais certo do que pensava e que aquilo que se fala pode ser atraído de maneiras inimagináveis.


 O poço é o último conto desse livro e fala sobre um coronel que vivia no sertão, já há muito tempo sem chuvas. Ele estava perdendo suas posses e ficando revoltado com a situação. Quase todos os moradores daquela região já tinham partido para outro local, em busca de acalento, mas como ele não largaria suas riquezas por lei nenhuma, estava ali sofrendo, junto com alguns de seus capangas. Chegou um dia que o fazendeiro notou que teria água para menos de três semanas e ordenou que seus empregados fizessem um poço. Eles cavavam a terra seca e nada encontravam, além do cansaço e da sede. Para piorar a situação, o homem era grosseiro e agressivo. Já farto daquilo tudo, gritou algumas blasfêmias a Deus e disse também que daria a própria alma ao diabo se surgisse água naquele buraco com mais de trinta metros de profundidade. Foi nesse momento, enquanto estava dentro do poço aos berros de fúria, que sentiu algo molhando seus pés: finalmente era água! Acontece que o nível ia subindo à medida que ele gritava e ninguém estava ali para ouvi-lo. Os moradores mais próximos que ainda restavam por ali foram ver o que acontecia por conta de tamanho desespero e encontraram o homem como estátua em uma terra mais seca do que nunca. Eis que a crença dos sertanejos estava certa: cuidado com o que fala; os anjos poderão dizer amém, e em outros casos, poderão ser até os demônios.

Lara Cristina Victor é aluna do curso de Psicologia na Univille. Atua como bolsista no Prolij e vê em cada criança um pouquinho de si mesma.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.

Maira de Carli é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e encontra nas palavras segredos que são capazes de abrir fechaduras.



Maira de Carli
É possível trabalhar com a literatura clássica com o público juvenil? Machado de Assis é um ótimo exemplo para dizer que sim, pois sua temática é bastante atual, independentemente de ter escrito em outro século. Trabalhar a literatura realista com adolescentes pode ser uma grande tentativa de os instigarem e os deslocarem para outra época a fim de compará-la com a contemporaneidade. Que tal trazer desafios e mostrar possibilidades distintas de leituras a eles? Confira a resenha de Helena, de Machado de Assis e inspire-se para trabalhar com diferentes percepções acerca dessa obra e de tantas outras deste escritor e de demais autores clássicos, brasileiros e estrangeiros:
  
Helena, romance clássico de Machado de Assis, conta a história de uma moça que é reconhecida como filha fora do casamento por um homem bem quisto da sociedade que acaba de falecer, o Conselheiro Vale. Em seu testamento solicita que sua irmã, D. Úrsula, e seu filho Estácio, acomodem a moça, até então desconhecida pela família, em sua casa.

Helena, dona de uma delicadeza apaixonante, logo conquista a admiração de todos da casa, não só por sua beleza, mas também pelas habilidades engenhosas incomuns às donzelas simples da época, como andar a cavalo, e mais ainda pela facilidade e responsabilidade em dirigir os afazeres da casa da família. Neste feito, ganha o amor de D. Úrsula que é cuidada pela moça quando não passa bem devido a problemas de saúde.  Sua inteligência e desenvoltura astuciosa em conversar e convencer espanta a todos. Não é à toa que aos poucos ganha os olhares dos mais improváveis cavalheiros do Rio de Janeiro, inclusive de seu irmão que pouco a pouco percebe que seu amor vai muito além de uma afeição fraternal somente, paixão recíproca a Helena que a nega convencendo seu irmão de que chegou a hora de se casar, o escolhido é Mendonça, amigo de Estácio.


Apaixone-se também por esse romance misterioso, cheio de denúncias sociais: adultério, mentira, comportamento adequado das damas da época, críticas aos costumes, reflexões profundas sobre as condições humanas, pessoas tratadas como mercadoria e o casamento como jogo de interesse acordado unicamente pelo fim vantajoso.

Maira de Carli é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e encontra nas palavras segredos que são capazes de abrir fechaduras.


Isabela Giacomini
Havia um passarinho e uma menina. Eles queriam muito ser amados, como todo mundo costuma desejar. Ambos eram vaidosos, carentes, inseguros e românticos. Tinham tanto em comum que acabaram se encontrando, mas de uma maneira bastante inusitada. Tudo aconteceu no dia em que o pássaro levou uma pedrada e foi voando até cair na varanda da casa da menina, logo onde ela sempre ficava a observar a noite.

A partir desse momento suas histórias, semelhanças e diferenças se cruzam. Um vai cuidando do outro, passando o tempo juntos, apegando-se aos pouquinhos, até que estivessem se sentindo completamente amados. O passarinho estava sarando até mais rápido com tanto afeto compartilhado e, como é de se esperar na vida de um pássaro livre, já era hora de se despedir e voltar ao mundo. Afinal, lugar de pássaro é no céu e de menina é na terra. O único problema é que o amor não tem essas mesmas fronteiras.

Os dois, pela extrema relutância, resolvem que não precisam dar tchau. Estavam certos de que deveriam ficar juntos e, por isso, a menina o colocou em uma gaiola. Agora ele seria só dela e vice-versa. Tudo parecia estar perfeito, muito seguro, arranjado, mas acabaram esquecendo que o amor ficaria preso.

A obra Gaiola trata de um sentimento muito profundo e complexo que é o egoísmo e a dificuldade de se lidar com as emoções. O ato de pensar nas próprias satisfações, mas sem olhar a necessidade real de outrem, faz com que um afastamento seja evidenciado. Esse sentimento foi compartilhado com a menina e com o próprio pássaro, que ficava a espreitar o céu, mesmo engaiolado. Existia ainda o lado bom da companhia, mas também havia o da falta de liberdade.


Ao mesmo passo que o passarinho estava preso, apenas olhando o que estava além daquelas grades, a menina estava presa ao sentimento de extrema segurança, de vigia excessiva. Mas, obviamente, o amor não pode ser saudável dessa maneira, uma vez que para que ele seja duradouro, os envolvidos precisam estar felizes para que consigam transmitir isso uns aos outros. E isso não acontece apenas entre os casais, como se pode perceber, mas também entre seres que precisam de afetividade, ou seja, com todos nós. A menina, depois de refletir muito, tomou a maior decisão de todas. A partir daí ela nos mostra como precisamos deixar que o destino venha, sem se apressar sobre ele ou tentar limitá-lo, já que as coisas acontecem porque precisam, nada é tão certo que não se possa mudar e nada é tão fixo que não possa se acabar. A história dos dois, como a autora Adriana Falcão menciona, não acaba, mas abre possibilidades. E assim é a nossa narrativa na vida: tudo é possível, basta acreditar em si e deixar que os sentimentos bons prevaleçam. O livro traz reflexões muito pertinentes sobre a necessidade de se cultivar o amor, pois é ele o elemento principal nesse processo, por nos fazer pensar no outro e em nós mesmos, aprendendo com cada situação.

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.


Lara Cristina Victor
Hazel Grace é uma jovem menina que há alguns anos descobriu um câncer na tireóide com metástase nos pulmões. Desde então, ela precisa conviver diariamente com uma cânula nas narinas e um tubo de oxigênio preso a um carrinho de aço. Inevitavelmente, sua vida passa a ter algumas limitações por conta da doença, e junto a isso, sofrimento intenso tanto físico quanto emocional.

Um certo dia, ao perceber Hazel muito depressiva, sua mãe decide levá-la ao Grupo de Apoio para crianças e adolescentes com câncer localizado no porão de uma igreja, lá era um lugar onde todos compartilhavam suas angústias e diferentes perspectivas. E é nesse grupo, que Hazel conhece Augustus Waters, um menino de dezessete anos que por conta de um osteossarcoma teve de amputar uma das suas pernas e usar uma prótese em seu lugar.

Augustus encanta a jovem Hazel logo no primeiro contato. E a partir daí, os dias começam a passar mais intensamente, de forma que a presença de Augustus na vida de Hazel se torna essencial e inigualável.


Os dois passam a compartilhar suas vidas, assim como suas ideias e desejos. Em meio a tanto amor, e também, recaídas por conta da doença, eles partem para uma viagem a fim de realizar um sonho de Hazel. É lá que eles experienciam a forma mais pura do amor, assim como alguns atritos e desilusões.
 
A culpa é das estrelas é um daqueles romances sensíveis, capaz de nos mostrar a potência de um amor verdadeiro nos seus mais diversos aspectos. Demonstrando que em meio a tantas dificuldades, a cumplicidade pode ser a nossa maior aliada, fazendo com que os problemas se tornem pequenos e o amor seja protagonista de toda a história.

Lara Cristina Victor é aluna do curso de Psicologia na Univille. Atua como bolsista no Prolij e vê em cada criança um pouquinho de si mesma.

Sônia Regina Biscaia Veiga
Como saber quando um campo de conhecimento muda? Para Néstor Canclini, os estudos sobre o processo de hibridização auxiliam a repensar as áreas de conhecimento, pois entender a presença do híbrido modifica o modo de pensar áreas em caixas isoladas.

Com o intuito de tentar compreender como se dá alguns processos culturais híbridos, tomo como exemplo o livro Fumaça, escrito por Antón Fortes e ilustrado por Joanna Concejo, livro galego, publicado no Brasil pela Editora Positivo e traduzido por Marcos Bagno.

Para entender uma literatura como híbrida pressupõe-se que nela você não encontrará um conjunto de traços fixos. A sua identidade enquanto arte muda, no sentido que mescla áreas diferentes e até mesmo um público diferente, devido à fusão de culturas. É necessário conhecer as formas de situar-se em meio à heterogeneidade para entender os processos do híbrido.

Fumaça, à primeira vista, aparenta ser um livro “encaixado no gênero literatura infantil”, pois o seu dito visualmente se destaca perante o dito escrito. Com formato maior do “livro para adultos”, com ilustrações em todas as páginas e com poucas palavras escritas ele se encaixa no padrão do livro vendido para crianças. Eu o comprei, inclusive, num stand em que havia outros livros de literatura infantil na mesma prateleira.

No entanto trata-se de um livro com uma temática forte, vamos percebendo ao decorrer da leitura tanto escrita quanto visual que a história se passa num cenário de guerra, num campo de concentração e temos como plano final as câmaras de gás. Apesar disso, em nenhum momento o escritor escreve segunda guerra mundial, holocausto, judeus, campo de concentração ou câmara de gás. Para se entender sobre o que realmente o livro aborda é necessário ter um conhecimento prévio sobre o que foi a Segunda Guerra Mundial. Quem nunca ouviu falar em Holocausto não atingirá o nível de compreensão proposto pelo autor.

Trata-se então de um tema adulto camuflado numa linguagem infantil. Pode-se pensar que talvez por ser um livro europeu, as crianças de lá tenham uma relação mais próxima com o tema da guerra, dessa forma se contextualizam mais cedo com esse cenário. Mas sendo ou não sendo assim, não vejo como um livro possível de ser contado para crianças pequenas, talvez como uma experiência para ver o que elas entenderiam quando o guarda manda os meninos tirarem as roupas e entrarem na casa da chaminé. Porque para conhecedores do tema, ao virar das páginas já vai ficando óbvio qual o cenário do livro, mas quais ideias surgiriam de quem nunca estudou as grandes guerras ainda? É um aspecto também interessante para se pesquisar: o hibridismo de interpretações. Quais as possibilidades de pensamentos se nós já não conhecêssemos o óbvio?


Há também que se discutir o que podemos afinal considerar híbrido? Pode-se dizer que há um hibridismo presente no suporte e na linguagem utilizada, mas também a própria ilustração – belíssima por sinal, que foi o que me levou a comprar o livro – carrega elementos além do convencional. Iniciamos já na segunda e na terceira capa. O livro inicia e termina com ilustrações de fotografias antigas, possivelmente de pessoas e de famílias judias, anteriores ao holocausto. Como em álbuns antigos, as fotografias estão cobertas com uma espécie de papel seda. E esse papel aparece dobrado. Comumente trabalho com as minhas turmas de ensino médio com esse livro. E em todas as turmas que já o levei, ao abrir o livro, algum aluno diz, professora dobrou a página ali, quando respondo que é a própria ilustração assim, alguns precisam passar a mão no livro para ver que não é possível desdobrar a folha porque é um desenho. É algo que apenas ver com os olhos não é o suficiente.

Além disso em várias páginas tem rabiscos de caneta, que eles perguntam se alguma criança riscou meu livro e mais uma vez não acreditam que é da própria ilustração, “fala sério, professora isso aí foi uma criança que pegou uma caneta e um lápis de cor e começou a rabiscar teu livro quando a professora não estava perto”. Dessa forma, em todo o livro apresenta-se dois tipos de ilustração. Uma mais elaborada, se é que pode se assim dizer, com lápis aquarela, bem desenhada e contornada, a qual representa a vida das pessoas naquela situação. E outra que parece ter sido feito depois de impresso, como rabiscos, números e desenhos infantis retratando a interferência da criança, visto que o livro é todo narrado em primeira pessoa, com um menino contando seus dias. Por vezes, o enredo dessa narrativa se aproxima ao do romance “O menino do pijama listrado” de John Boyne, principalmente na cena final.

Há então além do híbrido do suporte escolhido para carregar uma temática pesada, o material utilizado na ilustração e o jogo que a ilustração faz trazendo a ideia de que houve uma interação prévia de um possível pequeno leitor que deixou sua marca no livro. Dar a ideia de que uma criança usou o livro como folha de papel, dessa forma o estragando traz uma ideia de proibido, de não ser o lugar para isso, de ter algo errado. Da mesma forma que a criança retratada na história, que em nenhum momento é dado um nome, porque não precisa, ela não é uma personagem de um livro, ela representa milhares de crianças que viveram aquela mesma vida, também não estava em seu lugar. E querer simplesmente desenhar, atividade própria da infância, é algo que virou proibido. Mas na vida real não ocorre o fim de um livro, mas sim milhões de fins.

O processo de hibridização surge a partir da criatividade, como aponta Canclini, no fundir de estruturas ou práticas sociais discretas para gerar novas estruturas, o que acaba por relativizar a noção de identidade. Podemos rotular este livro em um gênero específico e dele não mais sair? Para entender essa nova cultura é preciso aprender a procurar em novos lugares e até mesmo em não lugares, criando o novo.   

Sônia Regina Biscaia Veiga é graduada em Letras pela Univille, é contadora de histórias e atua como pesquisadora voluntária do PROLIJ

  
Isabela Giacomini
Ana tinha muitos pares de sapatos e o melhor de tudo é que eles tinham vida. A cada sapato que ela colocava, mais colorida ficava a casa, as brincadeiras e a sua relação afetiva com os pais. No entanto, chegou o grande dia de ela finalmente ir para a escola, já era uma menina crescida. Ana não sabia se ria, se chorava, se estava emocionada ou assustada, era muita coisa para sua cabecinha.

Ela foi então apresentada a um novo par de sapatos, que era utilizado pelos estudantes da escola. Ana, contudo, sentia-se muito estranha por usar aquele sapato padronizado e deixar os seus coloridos e divertidos de lado, esquecidos nas estantes. Aos poucos, suas brincadeiras não eram mais tão legais e tão coloridas, a professora Jandira também não colaborava muito: era rude e autoritária, não deixava que as crianças fizessem um barulhinho sequer.

Mas toda a situação mudou quando Jandira ficou doente e uma nova professora veio para substitui-la em algumas de suas aulas. E é justamente por essa mudança que as crianças começam a pensar diferente e a ver o quão a relação na sala de aula pode alterar todo o humor em quaisquer espaços.


O livro A menina que sonhava com os pés traz uma crítica implícita à padronização e ao corte criativo que a escola e muitos professores acabam fazendo em seus alunos, tentando tornar as crianças iguais, enquanto elas precisam manifestar suas habilidades de diversas maneiras, sejam elas pelos pés, assim como fazia Ana, ou não. Os sapatos de Ana representam a capacidade que as crianças têm de inventar, de imaginar e de se divertir das maneiras mais simples possíveis e que as relações sociais interferem fortemente nesse processo, já que a criança está desenvolvendo sua psicossocialidade. Chritian David, além de trazer críticas e reflexões bastante pertinentes, faz com que a criança se identifique nesses momentos criativos e queira usar diversos sapatinhos, meias e tantas outras coisas diferentes a cada novo dia, afinal, expressar a arte faz parte, principalmente na infância! Sem contar, é claro, na delicadeza dos traços da ilustradora Martina Peluso, que tornam a obra ainda mais divertida!

Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.

Nicole de Medeiros Barcelos

Nós temos contado histórias desde o princípio da nossa existência. Antes que as palavras estivessem convencionadas pelo uso, ou dicionarizadas e gramatizadas nos livros, a humanidade já dava cor às suas narrativas de diferentes formas: em suas paredes, em suas danças, teatros, rodas de contação... Nunca realmente deixamos nada disso “para trás”, mas nossas formas de materializar esse ato tão próprio ao humano certamente se reinventaram no curso dos muitos anos que nos separam (ou nos unem) aos nossos antepassados.

Em “O cântico dos cânticos”, Ângela Lago explora as possibilidades narrativas em diversas dimensões da experiência estética: da profundidade de suas ilustrações à própria maneira com que podem ser (física e metaforicamente) lidas por aqueles que ousarem abrir uma de suas capas, há muito a explorar pelos meandros da história – ou histórias – enredada por Lago.

Nesta obra, independentemente da face que segure para si, o leitor acaba encarando a mesma capa dourada estampada pelo título em duas meias luas. É tudo parte do jogo que o livro começa a propor antes mesmo do primeiro virar de páginas – isso porque O cântico dos cânticos pode ser lido de trás para frente, de frente para trás, em pé ou de cabeça para baixo, e por onde mais se desejar. Aqui não há em cima ou embaixo, ou frente e trás, a bem da verdade. Estamos livres para escolher que histórias queremos ver contadas.


Engendrada de maneira circular em uma sintaxe visual intrigante, pode-se dizer que a narrativa adota duas perspectivas básicas, dependendo da “ponta” em que se comece a lê-la: de um lado, a da personagem feminina e, do outro, a da personagem masculina. De ambos os lados, porém, acompanhamos narrativas sobre encontros, desencontros, sobre o amor, a ilusão amorosa e suas consequências, às quais o próprio leitor dará os sentidos e significados diversos a partir de sua(s) leitura(s).

Ângela Lago consegue criar tal efeito pois as belíssimas imagens que contam essas histórias foram criadas a partir de uma estética inspirada pelo trabalho de Maurits Cornelis Escher, bem como pelas tendências da arte impressionista (como Uma tarde de domingo na Ilha de Grande Jatte, de George Seurat) e expressionista (como Noite estrelada, de Van Gogh) e pela arte árabe e mulçumana. Dessa forma, o próprio texto imagético reproduz e assimila o contexto da história e apresenta ilusões visuais para o seu leitor (que não é necessariamente apenas o infantil).

A beleza da narrativa em si também encontra outras motivações. Muitos provavelmente talvez concordem que o título da obra – O cântico dos cânticos – soa um tanto familiar. Isso porque o poema bíblico de mesmo título de fato foi uma das inspirações da autora para a criação do livro: Lago, arrebatada pela poesia desse texto da tradição cristã, e principalmente pelo seu discurso sobre o amor, resolveu contar, à sua moda, uma história tão bela quanto a sua fonte de inspiração, materializada finalmente nessa narrativa sem palavras que, porém, tem muito a dizer.

Ao estabelecer essa multiplicidade de diálogos, seja no formato do livro, na sua relação com o seu conteúdo, ou seja na construção de suas imagens, e nas relações que estabelecem intertextualmente, a autora mineira reitera o caráter essencialmente híbrido e inovador de sua obra – aqui entendendo “[...] por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2008, p. XIX).

Pois, combinando elementos conhecidos – um poema bíblico, estéticas artísticas legitimadas pela sociedade e a própria materialidade do objeto livro – Ângela Lago nos presenteia, como sempre, com uma história estranha o suficiente para nos ser muito familiar.

*Felizmente, O cântico dos cânticos, lançado primeiramente em 1993 e reeditado em 2013 pela editora Cosac Naify, foi adicionado ao catálogo da SESI-SP Editora em julho de 2018 e está de volta às livrarias!

Referências

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Edusp: São Paulo, 2008.

LAGO, Ângela. O cântico dos cânticos. Cosac Naify: São Paulo, 2013.

Nicole de Medeiros Barcelos é graduada em Letras (Língua Portuguesa e Língua Inglesa), vive se perdendo em buracos de coelho e em estradas de tijolinhos amarelos.

Isabela Giacomini
Lara Cristina Victor
As histórias, de um modo geral, têm muita coisa para contar e também há muito a ser desenrolado, como os próprios fios costumam fazer. Mas, algumas delas, falam deles e das linhas literalmente, já que se constroem pela tecitura, sendo ela a matéria e o conteúdo principais. É pelo percurso que esses fios fazem que o enredo vai se constituindo, que as ilustrações vão sendo formadas e que as memórias vão sendo relembradas. Os fios e as linhas estão para além do ato de costurar meros pedaços de tecido, eles possibilitam que novas histórias sejam descobertas, que se transformem ou que também sejam desmanchadas. É justamente por esse poder que possuem de dar a continuidade dentro de cada narrativa que separamos uma lista de livros que as trazem como protagonistas. Confira a seguir:

A manta, de Isabel Minhós Martins, com ilustrações de Yara Kono – na casa da avó havia uma cama enorme, enorme mesmo, onde cabiam meninos, meninas, gatos, um cão e a vovó também, é claro. Ela não era muito confortável, mas isso acabava não importando, pois havia a manta cheia de retalhos que os cobria confortavelmente. Cada um deles era uma história para ser descoberta. Cada pedacinho escondia uma viagem maravilhosa pelo universo da imaginação. Deve ser por isso que houve até briga para ver quem ficaria com ela, afinal ainda há tanto tecido para ser explorado!


Vestido de menina, de Tatiana Filinto, com ilustrações de Anna Cunha – o vestido da menina é repleto de fios diferentes uns dos outros. Eles vão se modificando a cada conversa, a cada situação vivenciada e a cada novo lugar visitado. Alguns fios são compridos, outros curtos, enrolados, escuros, emaranhados, grossos, esfuziantes e tantos outros adjetivos que se possa dar. Às vezes havia tantos fios, que o vestido ficava até pesado de vestir! O mais legal de tudo é que cada um deles tem uma nova história para contar...

A moça tecelã, de Marina Colasanti – Ela acordava ainda no escuro, e logo sentava-se ao tear.
São nos delicados fios, pentes, lãs e cores, que essa linda história acontece. Mostrando-nos as possibilidades de ser, estar e sentir, assim como a possibilidade de um recomeço. De um novo caminho. Um novo dia. Um novo amor… E uma nova história. A moça tecelã nos dá a oportunidade de construir e desconstruir, de imaginar e reimaginar. A coragem de criar, mas também de desfazer. E de ir tecendo a vida com fios e cores que brilham e nos transbordam, exatamente aqueles que nos fazem realmente felizes.


Além do bastidor, de Marina Colasanti- Uma menina corria todas as manhãs ao bastidor para bordar coisas diferentes. Imaginava uma flor, pegava a agulha e a linha e a bordava. Com o passar do tempo aquele tecido estava repleto, tudo parecia ter muita vida e muita cor. A menina já fazia parte de toda aquela paisagem, já se deitava na grama, apreciava as frutas, andava a cavalo. Ela era a única a não estar no pano, entre fios e linhas, pelo menos por enquanto. Além do bastidor fala dos nossos sentimentos e de como eles são exteriorizados, de como entramos e lidamos com cada uma de nossas experiências, de como bordamos nossa existência e também de como arrematamos a linha.

Colcha de retalhos, de Conceil Correa da Silva e Nye Ribeiro Silva, com ilustrações de Semíramis Paterno – Felipe é um neto que ama visitar sua avó, pois lá tem muita coisa para fazer. Um dia sua avó se pôs a costurar alguns retalhos que sobraram de suas costuras antigas e o neto, é claro, quis ajudar. Começou a separar cada pedacinho pelas suas características e a cada um, uma memória era relembrada por ele e pela vovó. Os dois conversavam sobre cada tecido, para que fim ele foi usado, quando isso aconteceu e o que fizeram na ocasião. Aos poucos, uma bela colcha de retalhos surgia, com muitas histórias diferentes a serem desvendadas. Além de toda a beleza das memórias, o livro trabalha com um sentimento muito único- a saudade, mostrando o quanto essas histórias a despertam e nos fazem entender o que ela realmente significa.


Isabela Giacomini é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e vê na literatura uma porta para outros universos e realidades.

Lara Cristina Victor é aluna do curso de Psicologia na Univille. Atua como bolsista no Prolij e vê em cada criança um pouquinho de si mesma.

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