Nicole Barcelos

Carlos Alberto de Souza Vasconcellos tinha um Problema. Assim mesmo, com P maiúsculo e tudo. Na verdade, mais de um. Bastava uma olhadela para o seu testão para ter certeza que sua cabeça estava crescendo – crescendo para cima. Você vê, ele a mediu e tudo, era científico, inegável, que sua testa estava de fato aumentando. Mas isso tudo porque além do Problema, Carlos Alberto tinha também um Segredo – ou melhor, Segredos: havia minhocas em sua cabeça. 

Em Minhocas, de Luana Chnaiderman de Almeida, ilustrado por Deko Farcas (estreante como ilustrador, mas grafiteiro que assina nas ruas como Treco), explora-se com muita cor e bom humor os Problemas e Segredos de Carlos Alberto. Guardando seus medos e ansiedades para si, surgiram na cabeça do menino várias minhocas, como Retardoca, a minhoca estou-sempre-atrasado-em-tudo; Bolota, a minhoca será-que-eu-sou-barrigudão?, Astrogildo, a minhoca na-verdade-todos-queriam-que-eu-fosse-o-Astolfo, e tantas e tantas outras. Quando o conhecemos, ele está para fazer aniversário – e sua cabeça, já muito crescida, está em superlotação minhoquenta. 

Os eventos que se desenrolarão a partir dos pedidos do garoto nessa data tão especial, porém, podem trazer uma reviravolta para as residentes dos miolos de Carlos Alberto, e nesse empurra-empurra de minhocas, fica difícil dizer se o nó vai se atar ou desatar de vez em seus pensamentos. O que é certo, porém, é que esse livro, aparentemente despretensioso e colorido em tons de rosa e verde quase neons (muito chamativos e ousados), é garantia de risadas, diversão, e também de boas reflexões para leitores jovens e experientes: há de se concordar, afinal, que não é apenas Carlos Alberto quem possa estar alimentando minhocas intrusas em suas caraminholas.


Nicole Barcelos é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Atua como bolsista do Prolij e vive se perdendo em buracos de coelho.
Luana Seidel

Um garoto travesso e cheio de si, que tanto mimam e que manda e desmanda em todos que estão ao seu redor. Provavelmente você conhece alguém que se encaixa nessa descrição, pois no mundo existem muitos como este, e no meio mundo também...

Eleguá é o nome da história que Carolina Cunha nos conta. O garoto travesso que tem este nome é filho de Yemanjá; ela vivia no lugar que Obatalá enfeitou com carinho e transformou no melhor lugar do Universo: o espaço. 

Yemanjá era sempre coruja, mimava muito Eleguá, descrito como “o menor e mais espevitado” dos filhos. Num dia de briga e má-criação para com sua mãe, Eleguá teve de sair de casa e se tornar responsável por si. 

Depois de tempos, o pequeno, agora dono de si, decidiu voltar pro lugar de onde veio e, para agradar aos grandes, levou consigo uma semente de três olhos que, apesar de encantar Eleguá, não ganhou muita atenção de Obatalá.

A decepção do Eleguá não foi pouca ao ver o seu presente sendo esquecido por todos; foi aí que ele, magoado, instaurou o caos na comunidade. Em meio ao desespero de todos, lhe ofereceram oferendas para que deixasse a paz voltasse para aquele lugar. Um dos pedidos foi de que encontrasse a semente; mais tarde, descobriu-se que o presente era um Obi, uma castanha que serviria para ser quebrado em quatro partes e, proferindo palavras de axé, traria mensagens dos ancestrais. A paz voltou a reinar... 

Obatalá intitulou o menino de “guardião do Universo”, quem conhece as trilhas e rotas, abre e fecha portas. Eleguá é o mensageiro do meio mundo, d’entre o céu e a Terra e, graças a ele, Obi ficou conhecido como uma semente sagrada da África. 

A obra foi publicada pela Edições SM no ano de 2007 e ilustrada também por Carolina Cunha, que intercala ilustrações coloridas para narrar as aventuras de Eleguá e tons escuros para discorrer sobre a imensidão do Universo adornado por Obalatá. 

Cunha utiliza uma linguagem simples para narrar, o que faz com que a obra seja direcionada para o público infanto-juvenil. A autora faz da história um bom meio de trazer ao leitor mais conhecimento sobre a cultura dos Yorubás e Fons. 


Luana Seidel é graduanda do curso de Letras da Univille, trocou o oxigênio por arte há tempos – e não se arrepende disso.
Gabrielly Pazetto
Nicole Barcelos

Aprofundar-se em uma língua estrangeira é também mergulhar em toda uma outra forma de ler e escrever o mundo: é entender como outro (diferente do eu) coloca-se diante das mais variadas situações da vida. Como se sabe, a literatura (a arte da língua), por excelência, tem o poder de fazer com que o leitor se confronte com outras realidades, lançando luz sobre questões específicas que são, por vezes, também universais. Colocar-se diante de um livro é estar constantemente diante de algum tipo de espelho. Continuando assim nossa proposta de explorar alguns títulos em língua inglesa, hoje separamos um punhado de obras para leitores um pouco mais experientes, e que também estejam mais confortáveis com a língua estrangeira: são 5 livros e uma série com tom mais juvenil e texto mais extenso, indicados especialmente para jovens leitores, independentemente da idade.


Pippi Longstockings, de Astrid Lindgren – Traduzido no Brasil como Píppi Meialonga, a trilogia conta a história da menina Píppi que, após perder o pai em uma navegação, decide ir morar na Villa Villekulla, onde conhece Tommy e Annika, dois irmãos inseparáveis. Juntos eles de... Pippi Longstockings é escrito pela sueca Astrid Lindgren, o título original da obra é Pippi Långstrump, mas ela ganhou popularidade quando foi traduzida para o inglês. Recomendamos a tradução do sueco para o inglês de Edna Hurup. 

Winnie-the-Pooh, de A.A. Milne, com ilustrações de Ernest Shepard – Quem não conhece o simpático urso amarelo que, no Brasil, atende popularmente por “Puf”? Em Winnie-the-Pooh conhecemos melhor Edward Bear (ou Winnie-ther-Pooh), bem como toda a turma do bosque dos cem acres (a hundred acre wood) em seus nomes originais: Christopher Robin, Piglet, Rabbit, Eeyore, Owl, Kanga e Roo (e nada de Tigger, ou Tigrão, nesse livro, viu?). Christopher Robin é ao mesmo tempo personagem e interlocutor das histórias que são narradas e, ao lado dele, vivemos as diversas aventuras passadas nesse lugar de pura imaginação. Muito diferentes das ilustrações coloridas e quase pasteurizadas que se tornaram referência da obra através dos filmes e das series animadas, os traços simples de Enerst Shepard unem-se à narrativa divertida de A.A. Milne para construir um universo encantado e pueril como só uma criança poderia imaginá-lo. Um tanto extenso, porém, o texto requer mais fôlego do seu leitor – assim como uma generosa dose de bom-humor. 



Matilda, de Roald Dahl, com ilustrações de Quentin Blake – Matilda é brilhante. Tanto o livro quanto a personagem. Popular entre os protagonistas de Roald Dahl (um elenco famoso de figurinhas conhecidas como Charlie, de A fantástica fábrica de chocolates, ou James, de James e o pêssego gigante), a pequena garota que ficou na memória de muitos pela sua adaptação para o cinema em 1996, na verdade, é ainda menor e mais mágica em sua versão original. Pois, no livro, Matilda tem apenas 4 anos e, como sabemos, já leu mais livros do que eu e você juntos. Sua inteligência é tamanha que talvez supere até mesmo as fronteiras físicas daquilo que se acredita ser possível ou não acontecer "de verdade", e surpreende – mas o que há de verdadeiramente encantador nela talvez seja outra coisa, que fala bem mais de seu coração do que de sua cabeça. 



Tales of outer suburbia, de Shaun Tan – Equilibrando-se sobre a linha tênue entre o real e o fantástico, Shaun Tan visita as fronteiras da imaginação em seus Tales of outer suburbia (publicados no Brasil como Contos de lugares distantes pela finada Cosac Naify). Contando 15 histórias que falam de temas não tão distantes, a obra é escrita e ilustrada pelo autor australiano, revelando uma simbiose ímpar entre o texto verbal e visual que resultam num tom que beira ao mágico e ao surreal – tônicas em toda a obra de Tan. Difícil mesmo é escolher apenas uma delas como favorita: apesar da estranheza e do estranhamento provocados pelas narrativas, todas falam muito sobre nós e sobre como somos e são de profunda sensibilidade. Como bem colocou Peter Robb, no The Sydney Morning Herald, o trabalho de Shaun Tan é “a um só tempo banal e perturbador, familiar e estranho, local e universal, tranquilizador e assustador” - e vale a pena ser conferido de perto.



A series of unfortunate events, de Lemony Snicket – Se você não estiver preparado para ler uma série de atrocidades, passe longe desses livros! Composta por 13 volumes catastróficos, A series of unfortunate events narra a história desafortunada dos três irmãos Baudelaire, de seu The Bad Beginning, em que se tornam órfãos após um incêndio misterioso na mansão de sua família, passando por todos os diversos tipos de perrengues até chegarem a um The End – feliz ou não, cabe ao leitor decidir. Carregadas de um senso de humor cítrico e inteligente, as desventuras dos Baudelaire, de fato, não são para qualquer um: mas aqueles que se divertem com ironias cruéis e jogos de palavras inteligentes encontrarão na escrita de Lemony Snicket (autor e narrador das obras, e pseudônimo de Daniel Handler) um prato cheio de diversão. Apesar da fórmula um tanto “repetitiva” no início da série, o texto de Snicket é rico em conteúdo e linguagem: não subestima o seu leitor e está constantemente o desafiando a pensar de outra forma, se aproveitando de diversos recursos de metalinguagem para engendrar as tragédias que ocorrem aos Baudelaire e suas desventuras. 



Good omens (or the nice and accurate prophecies of Agnes Nutter, witch), de Neil Gaiman e Terry Prachett – O mundo vai acabar. No próximo sábado, na verdade. Logo antes do jantar. Ou assim diz a profecia de Agnes Nutter, bruxa – e no livro feito a partir desses seus bons ou maus augúrios, de Neil Gaiman e Terry Prachett. Escrito à quatro mãos na década de 1990, Good omens (traduzido no Brasil como Bons augúrios, ou Belas maldições) conta a história do Armagedom do ponto de vista de personagens muito peculiares, carregado do humor britânico de seus dois autores. Você vê, embora o mundo esteja para acabar (sábado, lembra?), nem tudo está indo tão bem para com algumas partes desse Plano Divino. Para começar, o Anticristo foi parar na família errada, e é um garoto simpático e magricela. Os quatro cavaleiros do apocalipse? Agora eles pilotam motos - e um deles até se aposentou. As partes envolvidas (céu e inferno) tampouco estão muito animadas com O Fim: Aziraphale e Crawley, respectivamente um anjo e um demônio que estão na Terra desde O Começo, por exemplo, já se apegaram aos hábitos terrenos e não estão muito a fim de abrir mão deles. Agora, com tudo isso pelo caminho, se o mundo acaba mesmo no sábado ou não é você quem vai ter que descobrir.



Gabrielly Pazetto é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como bolsista no Prolij e faz dos livros que lê barcos de viagens inesquecíveis.

Nicole Barcelos é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Atua como bolsista do Prolij e vive se perdendo em buracos de coelho.

Cymara Scremin Schwartz Sell

Em um zoológico, num quarto cujo papel de parede reproduz um jardim florido, um gorila tem tudo o que pode desejar, exceto uma verdadeira companhia. Sua solidão e tristeza são evidentes, e por isso, ao pedir um amigo através da linguagem de sinais, seus preocupados tratadores resolvem lhe atender. Na falta de outro gorila nas proximidades, acaba ganhando de presente uma gatinha chamada Beauty. Quando o olhar profundo e melancólico do gorila cruza o olhar animado e cheio de vida da doce Beauty, uma conexão se estabelece imediatamente. A partir daí somos testemunhas de um afeto que vai sendo construído pelo compartilhamento dos momentos mais corriqueiros da vida.

Esse é, em resumo, o enredo de “Little Beauty” (Candlewick Press, 2008), de Anthony Browne, autor e ilustrador conhecido por suas histórias e ilustrações de gorilas gentis e deslocados. Neste livro, as personificações da Bela e da Fera são retomadas para que se possa falar de um dos aspectos mais significativos da amizade: a cumplicidade. Inexplicável em suas causas, a cumplicidade está tanto no entendimento silencioso que os personagens têm um do outro quanto na defesa final que Beauty faz do amigo. Porque se amam profundamente, ambos dispensam a linguagem de sinais entre si, utilizando-a somente com os humanos que, nas entrelinhas do texto, revelam-se os causadores da angústia do gorila. 

Como todo bom livro ilustrado, “Little Beauty” possui camadas de significados que agradarão tanto os leitores maduros quanto os iniciantes. Lê-lo acompanhado talvez propicie um daqueles belos momentos de cumplicidade.


Cymara Schwartz é graduanda de Letras na Univille e acha os gorilas um dos animais mais bonitos desse mundo.
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