Nicole Barcelos

“Todo mundo sabe que, quando vai chegando a Páscoa, as crianças vão começando a pensar em comilanças, em ovos coloridos, de chocolate, em coelhinhos. Mas o que pouca gente sabe é que, quando vai chegando a Páscoa, os coelhinhos vão começando a pensar em comilanças, em cenouras coloridas, em crianças”, diz o narrador de Uma história de Páscoa, ao abrir essa divertida narrativa sobre o menino Joãozinho e o coelho Dudu, e o domingo de Páscoa em que tudo mudou. 

Publicada primeiramente em uma coluna da Revista Recreio na década de 1970, Uma história de Páscoa foi lançada em muitas versões antes de ganhar uma publicação própria, pela Coleção Batutinha da Editora Salamandra, no ano 2000, em que foi primeiramente ilustrada por Gonzalo Cárcamo, e posteriormente recebeu reedição ilustrada por Adilson Farias. Ana Maria Machado, que, na verdade, recebeu a proposta de escrita desse texto “por encomenda” (para a revista), cria um conto alegre e muito divertido em que menino e coelho se espelham em suas ações e expectativas, lançando um outro olhar para a tradicionalíssima história do coelho de Páscoa. 

Pois, menino e coelho anseiam encontrar, no domingo, seus presentes escondidos um pelo outro no jardim, perguntando-se se hão de existir mesmo coelhinhos e meninos de Páscoa para fazê-lo. Porém, por só esperarem receber cada qual o os seus desejados presentes – um, os ovos, o outro, as cenouras – não encontram nada no jardim – exceto um ao outro. Será esse encontro inusitado entre Joãozinho e Dudu que fará com que voltem às suas casas e busquem remediar, mais do que suas próprias decepções, o desapontamento um do outro. 

Muito colorida, tanto em sua ilustração quanto em seu texto, a história guarda ainda um mistério ao seu final – que os leitores mais jovens mais tarde descobrirão, e que os leitores mais velhos já conhecem e, com cumplicidade, certamente perceberão esse divertido “aceno” de Ana Maria Machado ao leitor.


MACHADO, Ana Maria. Uma história de Páscoa. Ilustr.: CÁRCAMO, Gonzalo. Rio de Janeiro: Salamandra, 2000.


Nicole Barcelos é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Atua como bolsista do Prolij e vive se perdendo em buracos de coelho.
Viviane Elaine Padilha

Esconderijo, da brasileira Heloisa Prieto, publicado em 2007 pela Companhia das Letrinhas, é um belíssimo livro de memórias, inspirado pelas lembranças de infância da autora na casa da sua avó.

“Será que o sol é o esconderijo da lua”? Segredos. Quem nunca teve um? Quem nunca guardou o de outro alguém? Quem nunca teve um esconderijo especial?

Na trama, conhecemos uma menina curiosa e ativa que vive pensando em todo tipo de mistério. Ao passar as férias na casa da avó, começa a descobrir os mais malucos segredos das pessoas. Aqueles que os adultos insistem (em achar) que escondem das crianças, aqueles que envolvem o medo de algo, outros que são apenas imaginados e aqueles de tristeza e de saudades.

A menina descobre, aos poucos, os segredos da avó, dos amigos, do jardineiro e dos seus pais, assim como seus próprios, aprendendo então, que eles habitam em todos nós e merecem ser respeitados e que nem todos são sombrios, alguns podem trazer uma alegre surpresa.

As palavras da história em certos momentos estão espalhadas pelas coloridas e geométricas ilustrações de Daniel Bueno, escondidas ou bagunçadas numa árvore, num sol ou numa espiral, formando um divertido jogo de palavras e imagens para leitor.

A obra de Heloisa Prieto traz uma bela mensagem sobre família, amor, (e porque não os segredos?) que nos conectam e nos fazem ser quem somos dentro da nossa própria história.



Viviane Elaine Padilha é acadêmica do terceiro ano de Pedagogia, e gostaria de ter um dedo verde para tornar o mundo um lugar melhor.
Nicole Barcelos

Um dia, os pontos decretaram greve! Quais pontos, você há de perguntar?! Ora... todos! Em Greve, livro de estreia da portuguesa Catarina Sobral, publicado no Brasil pela WMF Martins Fontes em 2014, todos os pontos deixam de trabalhar, de uma hora para outra. 

Primeiro, lá se vão os pingos nos Is, pontos finais, e todos os seus companheiros da língua, arruinando a comunicação escrita. Mas logo a situação afeta outros setores da vida cotidiana, dos esportes (como haverão de contar os pontos?!) à TV (o que fazer sem o teleponto?), passando ainda pela costura (pobres bordadeiras...) e até pela medicina (como fechar machucados?). Somem até os pontos de vista e de fuga, e mesmo a geografia se vê afetada sem os pontos cardeais ou de referência!

Nessa deliciosa obra, Sobral brinca com a multiplicidade de “pontos” presentes na língua portuguesa através das mais diversas expressões idiomáticas possíveis, em um texto cheio de surpresas à cada virada de página. As ilustrações, também assinadas por ela, constituem elemento fundamental de suas narrativas, e em Greve não poderia ser diferente. Misturando técnicas de desenho e colagem, a autora dá à dimensão semântica dos seus jogos de palavras ainda outras possibilidades de leitura, já que há uma riqueza de textos dentro de seu próprio texto que conversam entre si e com outros (assim, intra e intertextualmente), estabelecendo jogos mais ou menos explícitos com livros, filmes e elementos da cultura ocidental. O emprego de tons semelhantes ao sépia e o destaque a uma cor em particular também se faz notar, uma vez que certamente sugere algumas outras leituras do que Catarina Sobral pode estar sugerindo em sua divertida história dos pontos.

Para leitores de qualquer tamanho, a multiplicidade de linguagens e sentidos aos quais se faz aberta essa obra certamente nos provoca a olhar com outros olhos a nossa própria linguagem e as veredas pelas quais se pode caminhar por ela. Muito além da palavra escrita, os significados despertados aqui são prova de que texto visual e verbal andam lado a lado, de mãos dadas, e ponto final.



Nicole Barcelos é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Atua como bolsista do Prolij e vive se perdendo em buracos de coelho.
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