Carolina Reichert

A curiosa Rafaela vive incomodando os pais com a mesma pergunta: “como ele foi parar aí dentro?”. Desconfortáveis, os adultos a seu redor buscam alternativas para não dizer a verdade: “a girafa é tão alta que encontrou seu filhinho numa nuvem. Coitadinho dele, era tão pequenino e estava com tanto frio, que ela decidiu colocá-lo dentro da própria barriga” ou “No fundo do mar existe uma fila imensa de ostras que guardam os filhos dos seres marinhos. Quando eles querem ter um bebê, eles vão até lá, batem nas ostras e escolhem o bebê que mais gostam. Foi assim que a baleia escolheu seu filhote”. 

“Como ele foi parar aí dentro?”, de Ilan Brenman, publicado pela editora Aletria em 2013, narra a jornada da pequena Rafaela, que não desiste até encontrar a verdade sobre como as mamães, bicho ou gente, ficam grávidas. 

A obra de Brenman e a ilustração de Vanessa Prezoto caminham juntos numa narrativa delicada e repleta de descobertas inerentes ao universo infantil, e aborda de maneira sensível e graciosa um assunto que pode ser constrangedor para alguns adultos, como para os pais de Rafaela.




BRENMAN, Ilan. Como ele foi parar aí dentro? Ilustr. Vanessa Prezoto. Belo Horizonte: Aletria, 2013.  
Nicole Barcelos 

Fita verde no cabelo (de João Guimarães Rosa) já se tornou um clássico da literatura infantil juvenil brasileira, tal qual sua contraparte dos contos de fada do século XVI. A narrativa da menina de “fita verde inventada no cabelo” que há muito encanta leitores de todos os tipos também foi o estopim das atividades do grupo de leitura e discussão do Prolij em 2014, não por acaso chamado “Não era chapeuzinho”. 
Com uma o intuito de retomar as resenhas no blog do programa, nada mais justo do que retornar a esse clássico fundador com o olhar não de um, mas de seis resenhistas, membros do grupo de discussão. Você pode conferi-los abaixo! 



Escolhas 
Carolina Roberto Floriano 

 O conto “Fita Verde no Cabelo”, de João Guimarães Rosa, da editora Nova Fronteira, com ilustrações de Roger Mello, de 1992, se assemelha ao conto de Charles Perrault, “Chapeuzinho Vermelho”, porém traz novas perspectivas e escolhas da protagonista. 
Por maiores que sejam as semelhanças com a obra de Perrault, Guimarães Rosa mostra uma Chapeuzinho diferente, esta, ao invés de usar uma capa vermelha, leva uma fita verde no cabelo, que pode ser interpretada como algo não maduro, ou a imaturidade da menina ao sair da casa: “Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo” (1992, p.5). 
Outro ponto de dessemelhança é que Fita-Verde não é tão obediente quanto Chapeuzinho Vermelho, além da questão do lobo, que o autor não projeta como o grande vilão da história, pois é como se este não existisse (“Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. [..] E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso” 1992, p.8 e p.11). 
 Neste momento do conto, quando Fita-Verde decide tomar o caminho mais longo, assim chegando mais tarde do que o esperado na casa de sua avó, se deparando com a senhora em um estado deplorável, percebe que perdera sua fita verde, e que está por perder sua Vovozinha, ela finalmente se dá conta de que suas escolhas refletiram no estado no qual encontrou sua avó, e então Fita-Verde amadurece: “Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. [...] Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino do corpo” (1992, p.26 e p.27). 
Em suma, pode-se concluir que, quando é possível fazer escolhas, deve-se pensar duas vezes antes de seguir algo, falar alguma coisa ou optar por qualquer alternativa. No conto, o caminho que Fita-Verde decidiu tomar e as consequências que foram acarretadas por essa decisão. Outro elemento que foi levantado no conto é o crescimento mental que temos a partir de problemas enfrentados ao longo da vida, nos levando a amadurecer, quer queiramos ou não. 

Carolina Roberto Floriano é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa) e professora de inglês em uma escola de idiomas. É apaixonada por línguas e tudo o que vem acompanhado delas. 



Até que a morte nos amadureça
Camila Gomes

“Fita Verde no Cabelo” é uma obra de João Guimarães Rosa, que conta com trinta e duas páginas, publicado pela editora Nova Fronteira. O livro é uma leitura da obra “Chapeuzinho Vermelho” de Charles Perrault. 
A obra, apesar de infantil, trata de questões sérias como mortalidade e amadurecimento, mas sem parecer sensacionalista nem melancólico demais. É com leveza que Guimarães traz esses assuntos à tona, utilizando de uma clássica história infantil para aproximar seus leitores pequeninos dessa realidade. 
O livro pode seguir diferentes interpretações, depende muito de quem o está lendo, uma vez que a obra, apesar de ser direcionada ao público dos pequenos, pode ser facilmente lida por adolescentes e adultos. 
É esse grande leque de interpretações que torna a história tão aberta para os mais variados públicos. Os simbolismos e os diálogos presentes podem significar mais do que aquilo que o livro demonstra. 
Ao meu ver, a morte da avó de Fita Verde significou o amadurecimento do personagem, uma vez que ela também perde a fita no cabelo. A cor verde carrega muitas simbologias, uma delas é a esperança. Isso pode significar o que muitas vezes é a entrada na vida adulta, o amadurecimento que a morte pode trazer em relação à perda e ao luto. 
É um livro com uma história muito aberta, com seus símbolos e diálogos direcionando o leitor à sua própria interpretação, dentro do seu próprio contexto pessoal. 

Camila Gomes é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Lê porque acredita que a leitura é a melhor forma de viajar sem sair do lugar. 



Tudo era uma vez 
Nicole Barcelos 

É num revisitar do “era uma vez” que João Guimarães Rosa ressignifica uma velha estória e a torna nova em seu "Fita Verde no Cabelo". Publicada pela editora Nova Fronteira em 1992 e ilustrada por Roger Mello, a obra se constrói no espaço do indeterminado, em um tempo incerto de “algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto”. Não há dúvidas que será essa meninazinha sem juízo suficiente a protagonista da história, a qual ela nomeia: é Fita Verde, que segue para a casa de sua avó sem saber o que a espera. 
 Aqui, a fita verde inventada no cabelo da protagonista de mesmo nome faz as vezes de capuz vermelho de uma certa chapeuzinho, e o conto de fadas é reinventado. Não há lobo com que topar na floresta, e é a própria menina quem decide trilhar o caminho mais longo ao invés do “encurtoso”, tomando seu tempo para chegar à casa da avó, distraída pelas surpresas do trajeto. Mas é ao deparar-se com a velha senhora que tem sua maior surpresa e o lobo, o qual não temia, assume uma nova forma. 
 De escrita e ilustração poética (cada qual uma narrativa à parte), o livro lança um novo olhar ao tão conhecido conto da menina de capuz vermelho, cesto e pote, que é vítima de um lobo muito diferente do de sua contraparte brasileiríssima e verdejante, que mais parece amadurar forçosamente diante das vilanias fatais da própria vida. 

Nicole Barcelos é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Atua como bolsista do Prolij desde 2014 e vive se perdendo em buracos de coelho. 






Do verde ao vermelho
Jéssica Duarte de Oliveira 

João Guimarães Rosa vem nos apresentar uma encantadora versão de um clássico que tem passado de geração para geração, e encantado. O autor trata da morte de forma sutil e fala de um dos amores mais singelos que poderia existir: o de uma neta por sua avó e da avó pela neta. No livro Fita Verde no Cabelo, Guimarães Rosa reinventa a história e nos apresenta uma Chapeuzinho Vermelho sem capuz e sem juízo, que está descobrindo o mundo a sua volta, que opta pelos caminhos fáceis e esquece de suas obrigações. 
Fita Verde demora para chegar à casa da avó, vai brincando pelo caminho, sem pressa, menina, cheia de si, sempre com a fita no cabelo, a fita verde. Verde. Ao encontrar com a avó que a estava a esperar, a menina se dá conta de que perdeu sua fita e amadurece, vira moça, toma juízo ao perceber que perdera bem mais do que a fita. 
Fita Verde passa por um processo de metamorfose doloroso, mas na vida, a dor muitas vezes ensina que estamos aqui de passagem. 
 Com um quê de poesia e a sensibilidade para lidar com a partida de um dos seres mais importantes na vida de uma criança, Fita Verde no Cabelo, na leveza das palavras de Guimarães, é um convite à emoção, ao amadurecimento e a percepção das coisas realmente importantes e raras na vida. As imagens falam por si, os lobos representam os medos, nas sombras e uma única cor – o verde - vibra diante dos mistérios que o branco, o preto e o cinza apresentam. 

Jéssica Duarte de Oliveira é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Acredita que a literatura é uma porta de acesso à liberdade. 



Fita Verde
Gabrielly Pazetto 

Em uma nova e arriscada versão de Chapeuzinho Vermelho, João Guimarães Rosa se joga na descoberta da menina-mulher que precisa aprender a conviver com o luto e assim amadurece. 
Nesta versão nada inocente, o autor nos guia, com maestria, através da história da pequena Fita Verde que vai visitar a sua vovózinha (desta vez por um caminho longo e seguro). A menina encontra a avó fraca e debilitada, e o famoso diálogo da revelação do lobo-mau na tradicional história infantil, se transforma em um triste diálogo de despedida que nos faz pensar no luto, na vida, na morte. Sem saber, estamos vendo Fita Verde no final de um grande caminho de amadurecimento, deixando a sua pequena fitinha para trás. 
Guimarães Rosa escolhe as palavras certas ao montar o diálogo de Fita Verde com a sua vovó, deixando nas reticências um tom ainda mais sombrio e reflexivo. 
As ilustrações de Roger Mello, com um traço singular e com imagens carregadas de simbologia, nos presenteiam com uma carga emocional muito forte. Vale ressaltar aqui, a ilustração dos lenhadores com cabeça de lobo que encontram Fita Verde no caminho e a adição de cores pontuais ao longo da história. 

Gabrielly Pazetto é graduanda de Letras na Univille e técnica em Informática. Faz dos livros que lê barcos de viagens inesquecíveis. 



O tempo brinca com Chapeuzinho 
Nadia Lidiane Otto

Ao aprofundar a dimensão psicológica das personagens em Fita verde no cabelo, Guimarães Rosa ultrapassa o exercício da releitura do conto Chapeuzinho Vermelho. O escritor acaba por criar para a menina e sua avó outro universo onde viver, mais denso e repleto de palavras não ditas, a ponto de levar o leitor suavemente para longe do conto de origem. 
Uma das palavras não ditas, mas que surge por trás de certas escolhas que o escritor faz ao longo do texto, é tempo. O tempo parece estar junto às sombras de cada personagem, movendo-as e trocando seus papeis. Caso seguirmos por este caminho, poderemos imaginar que o tempo é um antagonista do conto. 
Na passagem “todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto”, a personagem flutua entre dois momentos temporais, naquele instante imensurável entre um segundo e outro, em estado de latência. É quando o desafio lhe é imposto. 
No bosque o tempo ilude os lenhadores fazendo-os acreditar que, assim como nas versões clássicas, conseguiram derrotar a morte, “pois os lenhadores tinham exterminado o lobo”. A única tarefa que lhes resta é tentar matar o próprio tempo. 
Se o tempo toma o lugar da morte na estória, a dinâmica entre o antagonista, a avó e Chapeuzinho muda. Quem devora a carne da avó? 
A avó que definha é a morte. Chapeuzinho é seu lobo, que precisa provar a morte, jogá-la de um lado para outro na boca a fim de sentir seu gosto. Daí poderá degluti-la, para ser assimilada. Assim a morte tornar-se-á natural novamente e Fita Verde poderá retornar ao caminho. 
Quando Fita verde no cabelo encerra, fica a impressão de que o escritor estava escrevendo o prólogo o tempo todo, apenas para encaminhar o leitor ao verdadeiro início, aquele que sobrevêm ao fim. 

Nadia Lidiane Otto é graduada em Letras (Língua Portuguesa) e em Comunicação Social (Cinema e Vídeo). Atua como agente de cultura no Museu de Arte de Joinville. Lê para conhecer a humanidade.



Ficha técnica: 
Obra: Fita verde no cabelo.
Autor: Guimarães Rosa
Ilustrador: Roger Mello
Editora: Nova Fronteira
Ano: 1992
Nesse ano, Ouro Preto foi a casa do 7º CBEU (Congresso Brasileiro de Extensão Universitária), com a temática "Inovação e emancipação: valores humanos, tecnológicos e ambientais". O Prolij teve a oportunidade de estar lá na semana passada, trocando experiências e criando novas vivências a partir do contato com a cidade, a universidade e os tantos projetos e programas (de tantos lugares no Brasil) que lá estiveram presentes!

O trabalho apresentado (um poster, exposto no dia 09 de setembro no Centro de Convenções da UFOP, Universidade Federal de Ouro Preto) trazia os dois grupos de estudo do programa: o grupo de leitura e discussão e o grupo de leitura e contação de histórias, ambos projetos estabelecidos nos últimos dois anos da nova coordenação do Prolij. As representantes desse e da Univille (Universidade da Região de Joinville) a viajarem a Ouro Preto foram as acadêmicas bolsistas do programa, Nicole de Medeiros Barcelos e Carolina Reichert (agora já não mais bolsista, uma vez que concluiu o curso de Letras no primeiro semestre de 2016), apresentadoras e autoras do poster junto às professoras Berenice e Alcione. Abaixo, é possível conferi-lo na íntegra!





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