Dra. Silvia Piloto, Dra. Sueli Cagneti, Dr. Luis Camargo, e Maria Lúcia

Na tarde de 8 de abril, a prolijiana Maria Lúcia Rodrigues defendeu sua dissertação de Mestrado “A Narrativa Visual em livros no Brasil: histórico e leituras analíticas”.
Por meio de uma análise histórica do desenvolvimento da ilustração em livros e da linguagem narrativa visual no Brasil, o estudo reflete sobre a condição dessa linguagem considerada nova (30 anos mais ou menos), sobre seu desenvolvimento, as temáticas abordadas e para quais leitores ela se dirige. Além disso, o estudo busca através da análise de três obras refletir sobre uma leitura que priorize a condição híbrida desta linguagem.   
A banca foi composta pelo Dr. Luis Camargo, professor, ilustrador e escritor como convidado; Dra. Silvia Pilotto, e como suplente Dra. Taiza Mara Rauen. A dissertação esteve sob orientação da Dra Sueli Cagneti, coordenadora do Prolij.
A prolijiana recebeu o grau de Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade com incentivo por parte da banca para publicação de seu trabalho.


Maria Lúcia rodeada pelos Prolijianos que foram assisti-la: 
Gilmara, Luciane, Cleber, Silvio, Sônia, e Sueli Cagneti.

por Ítalo Puccini

O universo indígena é habitado por muitas histórias. São todas bastante vivas, porque reais. (MUNDURUKU, Daniel)

            O título deste escrito é também o nome de um dos livros do escritor Daniel Munduruku, autor de “Parece que foi ontem” e “Do mundo do centro da Terra do mundo de cima”, entre outros, todos livros que apresentam como temática mitos e lendas indígenas.
            É sabido que a prática de contar e de ouvir histórias é muito mais antiga do que podemos imaginar. Remete a nossos ancestrais mais primitivos. Muito antes da invenção do papel ou do livro ela já se fazia presente, deixando marcas culturais em diferentes épocas, registrando fatos e causos, ainda que por um tempo determinado, uma vez que a história oral não garante a eternidade do que é contado (se pensarmos bem, nem mesmo as histórias impressas, no ritmo de produção, de publicação e de consumo que temos hoje, garantem isto).
            Na cultura indígena, por exemplo, a maior felicidade alcançada pelos homens é a de ser avô, pela oportunidade que se apresenta a eles de contar histórias, muitas histórias, a seus filhos e netos. A oralidade é marca importantíssima nesta cultura, mas não só ela. A quantidade de livros que vem sendo publicada contando ou recontando mitos indígenas sugere a preocupação que existe na divulgação e no alcance dessas histórias através de outros meios.
            Daniel Munduruku é indígena. Nascido em Belém(PA), índio da nação Munduruku, “nasceu índio e gosta de ser índio”, conforme é apresentado em seus livros. É formado em Filosofia pela UNISAL – Lorena, e é diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual – INBRAPI, cujo objetivo é a defesa do patrimônio cultural e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas brasileiros.
O escritor indígena com maior repercussão atualmente é autor premiado de muitos livros com histórias que apresentam ao leitor mitos e lendas do universo indígena, como “Coisas de índio”, “As serpentes que roubaram a noite” e “O segredo da chuva”. Mitos e lendas porque lenda é a forma como o mito é contado. Toda lenda apresenta um mito. Mas nem todo mito é apresentado por uma lenda. Lenda vem do latim legere, que significa ler. Mito é palavra grega que significa discurso, oralidade. No mito existe a busca de um porquê para a vida, que muitas vezes é contado em uma lenda.
            E aqui se apresenta ao leitor o recontar. Porque um mito pode ser contado e recontado de diferentes formas, diversas vezes. Para o mito de como surgiu a noite, por exemplo, Munduruku apresenta dois livros, citados no primeiro parágrafo deste escrito. Conforme conta a Clarice, em “Como nasceram as estrelas”, “Sempre, é uma história que não acaba nunca”.
            Para construir é preciso, antes, desconstruir. Pensar mitos e lendas pode ser seguir esse caminho da reconstrução. Do reconto. É isto que faz perpetuar histórias por gerações. A história é manutenção de vida das/nas coisas. A história é construção de identidade de um povo. A perda de identidade é parte do processo de morte de uma cultura. Diante disso, precisamos, como leitores e professores, dos contos e de seus recontos. Dos mitos e das lendas. Das diversas formas de perpetuarmos histórias e vidas. Histórias de vidas. Isto porque contar histórias, todos contamos. E, ao contarmos histórias, contamos a nós mesmos.
Minha lida com o texto literário – como leitor e como professor – é o de pensá-lo sempre como uma possibilidade de ressignificação. Junto ao texto literário é preciso que o aluno reconstrua. E para reconstruir é preciso, antes, que o texto seja destruído pelo leitor. Ou seja, objetivo que meu aluno produza sobre o texto que lê, construa seus sentidos para o que está lendo, ressignifique o texto com o qual está em contato. Literatura precisa ser contato. Toda leitura precisa ser um contato. Não contato no sentido físico exatamente. Mas contato no sentido de tocar em algo, produzir algo novo a partir desse novo toque, uma vez que nos ressignificamos o tempo todo, pelo simples fato de vivermos uns com os outros.
São vidas com as quais nos deparamos nas histórias da cultura indígena e também nas histórias sobre passarinhos, por exemplo. São vidas diferentes? Claro que são. Cada vida é uma vida. Mas a diferença não reside só nisto. Reside no modo como são contadas. O Bartolomeu Campos de Queirós, por exemplo, conta que

Para bem criar passarinhos é necessário ter o corpo capaz de escutar o silêncio das pedras, o som do vento nas folhas, o ruído de soluços preso em garganta. (...) Para bem criar passarinho há que se sonhar borboleta, anjo ou estrela cadente. É importante ter imensas intimidades com o nada, admirar o vazio e um especial encantamento pelo azul que existe muito depois das nuvens, infinito adentro.

Já o Marcos Bagno não conta sobre passarinhos, mas sim sobre corujas. Ou, mais especificamente, sobre Murucututu, a grande coruja da noite, que é “mais que grande, enorme. Seu gemido ecoa pela noite, Murucututu, arrepiando os corações de quem se atreve a escutar”.
É a avó quem conta para a sua neta a história de Murucututu, com a intenção de frear os avanços da menina na descoberta do mundo. Mas esta neta não temia nem o mundo nem as histórias: “Achava bonito só pela beleza de ser história, lenda, conto, fantasia de miragem mirabolante. Mas acreditar, ela, isso mesmo é que nunquinha”.
            Talvez porque contar histórias seja compor os silêncios sugeridos pelo Manoel de Barros. Os silêncios que cada um traz dentro de si para compartilhar ao contar e ouvir uma história. Porque há silêncios que falam. E aprendendo isto a gente aprende o que ninguém nunca soube. Adivinha mistérios. Sente de longe o cheio de algum segredo. E até consegue enxergar no escuro. Como faz a personagem que avoa com Murucututu.
            Contar histórias pode ser também fazer voar as palavras para encontrar seus silêncios a serem compostos.

Referências Bibliográficas

BAGNO, Marcos. Murucututu: a coruja grande da noite. Ilustrações Nelson Cruz. São Paulo: Ática, 2005.

LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas. São Paulo: Nova Fronteira, 1999.

MUNDURUKU, Daniel. Histórias que eu ouvi e gosto de contar. Ilustrações: Rosinha Campos. São Paulo: Callis, 2004.

MUNDURUKU, Daniel. Parece que foi ontem. Ilustrações: Maurício Negro. São Paulo: Global, 2006.

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Para criar passarinhos. São Paulo: Editora Global, 2009. 

Prolijianos Voluntários
Nome
Formação
Onde atua
Alcione Pauli
Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade - UNIVILLE
Biblioteca Pública Rolf Colin -Joinville
Áurea Cármen Rocha Lira
Especialista em Organização e Recepção de Texto
Colégio Cenecista José Elias Moreira
Cleber Fabiano da Silva
Mestre em Educação - UNIVALI
Associação Catarinense de Ensino - ACE
Luciane Piai
Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade - UNIVILLE
Fundação Cultural de Joinville
Maria Lúcia Costa Rodrigues
Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade - UNIVILLE
Escola de Artes Fritz Alt – Casa da Cultura, Joinville
Silvio Leandro da Silva
Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade - UNIVILLE
Colégio Machado de Assis
Sônia Regina Reis Pegoretti
Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE
Sueli de Souza Cagneti
(coordenadora)
Doutora em Letras/Literatura - USP
Universidade da Região de Joinville (MPCS, PROLIJ e graduação)
Viviane de Cássia Romão Lucio dos Santos
Pós-Graduada em Contação de Histórias e Literatura Infantojuvenil – AUPEX
Rede Municipal de Ensino e Colégio dos Santos Anjos
Rodrigo da Silva
Graduado em Letras (Habilitação em Língua Portuguesa) - UNIVILLE
Professor particular
Correspondente Nacional
Luís Camargo
Doutor em Letras
Editora FTD
Colaboradora
Ana Paula Kinas Tavares
Graduanda em Letras (Língua Portuguesa) – UNIVILLE
Revisora de textos
Em Estágio Probatório (6 meses)
Evandro Gruber
Graduando em Letras (Dupla habilitação) – UNIVILLE
Escola de Ensino Fundamental Professor João Ropelato
Estagiários-Bolsistas
Lilian Miranda Godoy
Graduanda em Pedagogia – UNIVILLE
PROLIJ
Rafaela Macarena Meira Silveira
Graduanda em Ed. Física - UNIVILLE
PROLIJ

Última atualização: 9 de abril de 2013.
Na Biblioteca Pública Rolf Colin, em Joinville, no dia 13 de abril de 2011.

O espaço destinado a recados e comentários ao PROLIJ

Prolijiana Alcione, também coordenadora responsável pela Biblioteca Pública, iniciando as falas do lançamento.


Os dois organizadores do livro, Sueli Cagneti e Alencar Schueroff, lendo o livro "É um livro, de Jane Smith.

Prolijiana Áurea lendo uma resenha presente no "Livro dos livros".

Prolijiana Maria Lúcia falando sobre Narrativas Visuais e posteriormente lendo o livro "Tempo de voo", de Bartolomeu Campos de Queirós.

Prolijiana Luciane Piai lendo trechos de poemas de Florbela Espanca, também resenhada no "Livro dos livros".

Os prolijianos Alcione e Alencar contando o livro "A pena", de Katja Reider, outro livro resenhado no "Livro dos livros".

Alguns exemplares do "Livro dos livros" à venda.


Venham todos prestigiar mais uma Defesa de Dissertação de Mestrado de uma Prolijiana.
por Cleber Fabiano da Silva


In tempi come questi la fuga é l’unico mezzo                                                                                                                                          per mantenersi vivi e continuare a sognare[1]

                                                                                                                            
                As estrelas fazem pensar... A gente entende muitas coisas quando olha as estrelas.
            Os livros destinados aos pequenos tornam cada vez mais tênues a classificação do que seja necessariamente do âmbito infantil, juvenil ou adulto. Eles realizam procedimentos estéticos e discursivos que se interligam nos meandros da literariedade, numa constelação quase infinita em que se pode ver, imaginar, sentir, refletir, enfim, entregar-se ao que de mais humano possa existir.
            E nos territórios dos homens, as fronteiras cercam, guardam seus tesouros, verdades e identidades; para mantê-las o indivíduo luta, nesse embate nasce a guerra. Com ela, o desejo crescente de tornar-se vitorioso, custe o que custar, para vencer é preciso superar todas as perdas. Qualquer exército, com o maior e melhor arsenal, contabiliza derrotas.
            A guerra continua... Mas em todas as guerras há imprevistos. Esses imprevistos nos impulsionam a sonhar, trazem-nos esperança. São linhas de fuga, fissuras minúsculas propícias ao escritor, artista lutador que, quixotescamente, realiza outra grande batalha: a de falar aos corações humanos. Duas estrelas cintilam no universo das obras infantis recém traduzidas em nosso país. Nas duas, o conflito. 
            A Primeira Guerra Mundial serve de contexto para o brilhante: O menino, a guerra e a bola de Jean-Baptiste Cabaud. Em sua territorialidade bélica a marca presente do frio e das vozes loucas que chegavam aos ouvidos dos soldados: Em frente! A guerra deve continuar! Atacar! Atacar! Embora datada, pouco se sabe dos detalhes entre as nações inimigas, dos brasões e flâmulas, da baixa nas corporações, do desamparo das mães, do que mudou na vida das viúvas ou dos prejuízos patrimoniais. Importa como matéria de poesia, a presença de uma voz aflita que grita pelo filho. O menino que corria atrás de uma bola vermelha em meio ao campo nevado pelo rigoroso inverno.
            O momento de plenitude suspenso pela magia – da vida ou da literatura? Os exércitos dos dois lados param, congelam as nuvens do céu, estancam os cavalos empinados com as patas suspensas no ar. Na arte de bem contar, um soldado saiu correndo, lançou-se sobre um velho oficial e, tapando-lhe a boca com a mão, enfiou a baioneta na sua voz louca. O menino segurava a bola, abraçava-a com força, ela era o seu tesouro.
            As crianças fazem pensar... A gente entende muitas coisas quando lê livros para crianças.
            No firmamento literário mais astros reluzentes: Davide Cali e Serge Bloch com o livro O inimigo[2]. Aqui, nem tempos nem espaços demarcados, o território é nômade. Em algum lugar que poderia ser um deserto, há dois buracos. Nos buracos dois soldados. Eles são inimigos...
            O narrador apresenta-nos a sua trincheira, conta tudo o que sabe sobre o seu adversário. O inimigo não é um ser humano. Sei tudo isso porque não sou estúpido. Li no manual. Na verdade, qualquer que fosse a trincheira ou o compêndio, a impressão seria a mesma. Não importa o lado, em qualquer guerra, no manual do outro o inimigo a combater tem o meu rosto.
            O frio também aparece por aqui. Junto dele, a fome. Sentimos fome. São as únicas coisas que temos em comum, o inimigo e eu. Às vezes penso que o mundo não existe mais. Os elementos concretos remetendo-nos à humana condição; caem por terra as utopias, os louros da vitória, as honras e condecorações. Nada para nos distinguir dos homens das cavernas, dos indivíduos de outros tempos e espaços. Somos feitos de idêntica matéria, possuímos as mesmas necessidades.
            Nosso valente recruta está só desde que seu companheiro Michel morreu. Em nossas solidões a certeza de que o inimigo está ali, mas nunca é visto. O inimigo também deve estar sozinho. Se há guerra a culpa é dele... É preciso que ele seja o primeiro a cessar fogo, e eu, nesse caso, não o mataria.
            Na arte da metáfora, muitas possibilidades. Nas batalhas esperamos o aceno da bandeira branca que virá da parte em litígio. Então o que ele está esperando? Aquele que sobreviver terá ganhado a guerra. Ele poderia me enviar uma mensagem: vamos acabar com a guerra agora. Se ele enviasse essa mensagem, eu aceitaria imediatamente.          
            O mais monstruoso inimigo está tão perto, talvez dentro de nós mesmos. Escondemos em nossas trincheiras o arsenal bélico das palavras que matam e ferem. No entanto, há a literatura, as estrelas e as crianças, mal grado desertos, travessias e fissuras... Procuramos cruzar a fronteira dos nossos corações com um grande desejo de paz. Se o inimigo olhasse as estrelas, talvez entendesse que a guerra não serve para nada e que é preciso terminá-la. Se nós olhássemos para os livros infantis, talvez entendêssemos que a guerra não deveria nem ter começado.

Referências: 

CABAUD, Jean-Baptiste e BERNARD, Fred. O menino, a guerra e a bola. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CALI, David. O inimigo. São Paulo: Cosac Naify, 2008.


[1] “Em tempos como estes a fuga é o único meio de manter-se vivo e continuar a sonhar” Extraído do filme Mediterrâneo – direção: Gabriele Salvatores, Itália, 1991.

[2] Em 2009 recebeu o prêmio de Altamente Recomendável da FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil na categoria tradução ou adaptação para criança. 
Tecnologia do Blogger.