Ensaísta argentino radicado no Canadá, Alberto Manguel lança novo livro no Brasil e diz que ler é ter memória de uma experiência antes mesmo que ela aconteça.

por Luiz Costa Pereira Junior (aqui)


O leitor lê o que quer, o escritor escreve o que pode. A frase de Jorge Luis Borges é usada pelo ensaísta Alberto Manguel como um mantra: porque não se sabe como será interpretado, deve-se escrever como uma extensão da leitura.

No fim do ano, o autor argentino radicado no Canadá veio ao Brasil para a VI Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), divulgarA Biblioteca à Noite e Todos os Homens São Mentirosos (Cia. das Letras). O tema biblioteca lhe é central. Está em A História da Leitura e no Dicionário dos Lugares Imaginários, que cravaram o nome de Manguel no Brasil. 


Filho de embaixador, rodou o mundo. Aos 14 anos, ia à casa de Borges ler para o autor já cego. Hoje, cita Borges "ao menos três vezes" por palestra. A citação ajuda o leitor a crer na realidade do texto e a levar a gente a sério, brinca. Agora, escreve um livro de ensaios (O Leitor como Metáfora) e a segunda novela, Um Amigo de Platão, sobre dois homens que travam guerra sobre a verdade. Uma fábula. Afinal, para Manguel, nada é verdadeiro, a não ser o que encontramos nos livros. (O editor foi à Fliporto a convite da organização do evento)


Ler de fato nos melhora?

Fiz o secundário no Colégio Nacional de Buenos Aires, em meio à ditadura. Foi um professor de literatura de lá que me inspirou a escrever. Ele me fez descobrir a função humanizante da literatura, que a ficção é uma mentira que conta a verdade e a experiência dos personagens é, no fundo, a nossa experiência. Veja, os alunos desse colégio fizeram forte oposição aos militares. Pouco depois eu saí do país, mas soube que muitos de meus colegas foram denunciados, torturados e mortos. Uns vinte anos depois, voltei à Argentina para uma festa de ex-colegas. E descobri, chocado, que aquele professor era o informante dos torturadores. Ler em si mesmo não é mais que uma atividade essencial. Mas o valor do ato está dado pelo uso que fazemos da leitura. 


O inglês Peter Hunt, especialista em literatura infantil, critica o discurso politicamente correto no gênero e defende que os livros deixem as crianças pensar por si próprias

por Edgard Murano (aqui)

Apesar da popularidade, a literatura infantil continua alvo de preconceitos dos que a julgam uma forma literária inferior, simplificada. É contra essa visão reducionista que se opõe o crítico e escritor britânico Peter Hunt, cuja obra publicada no Brasil - Crítica, Teoria e Literatura Infantil (Cosac Naify, 2010) - oferece um debate aprofundado sobre o gênero, para além do senso comum e dos preconceitos literários. 

Professor de inglês na British University e autor de A Step off the Path (1985) - classificado pela imprensa britânica como "o primeiro livro infantil pós-modernista" -, Hunt já foi traduzido para línguas como árabe, chinês, grego, japonês e persa. Dos prêmios que recebeu por serviços prestados à literatura para crianças, destaque para o Brothers Grimm Award, concedido em 2003 pelo Institute for Children's Literature de Osaka, no Japão. 


Hunt é contra o discurso politicamente correto, que assola a produção literária infantil, e valoriza obras "subversivas" para crianças, uma vez que a maioria dos livros infantis escritos hoje tenta "direcionar o pensamento delas", sem deixar que pensem por si mesmas. Além disso, dirige duras críticas ao que ele chama de "comoditização" dessa literatura, com a produção de livros em série visando apenas o lucro, e avalia o impacto das novas tecnologias na narrativa infantil. 



Em entrevista por e-mail à revista Língua, o professor britânico admite não conhecer autores brasileiros de livros infantis, exceção feita a Monteiro Lobato, o que ele atribui à baixa permeabilidade do mercado editorial inglês a livros estrangeiros. Mas suas visões e opiniões, embora embebidas pela realidade inglesa, são perfeitamente aplicáveis a outras literaturas, como a brasileira.



Você escreveu que a literatura infantil não é inferior. Por que a crítica nutre preconceitos assim?

Há três razões. Primeiro, os críticos não pensam com muita clareza sobre livros infantis, e creem que, pelo fato de os textos serem escritos para crianças, precisam ser simples. Isso mostra uma falta de entendimento sobre como a língua funciona - toda língua é complexa - e ignora o fato de que os livros infantis são escritos por adultos, não podendo existir "fora" da ideologia. Em segundo lugar, alguns adultos têm uma relação bastante ruim com a própria infância e temem que possam ser considerados "pueris" se levarem seus livros infantis a sério. Mas, como C. S. Lewis disse, um sinal de desenvolvimento truncado é o medo de ser pueril! E em terceiro (o pior de todos) é que uma porção de críticos pensa que alguns livros são melhores ou mais importantes do que outros: eles não conseguem definir POR QUE esses livros são melhores, mas como eles são as pessoas que decidem o que é "bom", não admitem que certos livros (como os infantis, por exemplo) tenham valor e sejam importantes (e "bons") de uma forma que eles não compreendem ou não querem compreender!



Qual a diferença entre a literatura infantil e a "adulta", para além do público-alvo?

Muito pouco, no sentido de que você pode encontrar exemplos em quase todos os gêneros e tipos de livros - longo/curto, complexo/simples, moral/amoral, ilustrado/não ilustrado, inteligente/estúpido, popular/intelectual - que são voltados para crianças ou adultos. Contudo, os livros infantis usam mais imagens (um meio bastante complexo) do que os livros adultos, e há sempre uma luta pelo poder entre o escritor adulto e a criança leitora. De maneira geral, os livros infantis sentem que deveriam ter finais felizes, positivos ou otimistas, e frequentemente fazem da moral algo positivo. Mas além disso, a maior diferença é que todo livro infantil contém uma ideia do que vem a ser uma criança - uma criança real, ideal ou imaginada... O público é um fator vital. 



Qual é o maior problema na literatura infantil mundial?

A predominância das pessoas do marketing e do dinheiro. No Reino Unido, mais de 90% dos livros infantis são "comissionados", isto é, os publishers decidem o que deve ser escrito e então alugam autores para escrever essas obras. Essa é a razão pela qual todo publisher tem os mesmos tipos de livros em suas listas. Há milhares de "clones", imitações de outros livros tentando fazer dinheiro em cima da mesma fórmula. Cada vez menos livros são mantidos no catálogo. Um livro deve lucrar em seu primeiro ano, e então ser substituído por um novo, daí até bons autores serem forçados a escrever mais livros do que deveriam. Novos autores também têm poucas chances de ver seus livros publicados. Uma coisa boa é que há mais publishers menores, assim alguns livros pouco usuais e individuais estão sendo publicados. E por haver tantos livros, há uma porção de boas obras por aí.  



Conhece a literatura infantil brasileira?

Tenho vergonha de dizer que menos de 2% dos livros infantis publicados na Inglaterra são traduções, e não conheço escritores brasileiros, embora devam existir vários. Nem Lobato é traduzido, até onde eu saiba. 



Como avalia a literatura infantil hoje?

Apesar do que eu disse antes sobre a questão do marketing e do dinheiro, tenho a impressão de que, ao redor do mundo, a literatura para crianças está prosperando no que diz respeito às ilustrações, livros de gravuras e textos gráficos. Basta dar uma olhada para o catálogo infanto-juvenil da Cosac Naify, quantos talentos! Apesar das pressões comerciais, há muitos trabalhos bons sendo feitos. A maior parte deles está se deparando com os desafios das novas mídias, e há um monte de excelentes trabalhos experimentais. O elemento mais fraco é provavelmente o romance, mas talvez seja porque a narrativa ou contação de histórias está mudando com os novos meios.   



As crianças interagem com os livros da mesma maneira que as do passado?

Aqueles que leem livros interagem da mesma maneira. Na Inglaterra, estatísticas sugerem que a porcentagem de crianças que são leitoras de livros não mudou nos últimos 20 anos. Todavia, pela razão de os livros agora competirem com outros meios, pode ser que as crianças não tenham tanta habilidade com as palavras ou em usar a imaginação sem estímulo visual. Além disso, no Reino Unido e nos EUA pais gastam menos tempo lendo para os seus filhos e interagindo com eles, de modo que as crianças não têm o hábito da leitura nem a fascinação pela palavra que se costumava ter. Você pode achar que isso é ruim, mas algumas pessoas argumentam que as crianças têm uma dieta de histórias muito mais rica do que tinham antes - e o livro é só uma parte dela. 



Há tendência de os infantis apresentarem recursos não verbais, como texturas, tecidos, dobraduras etc. 

O que acha disso?

Vejo isso como um desdobramento muito saudável, possível graças à tecnologia. Na minha opinião, as crianças deveriam interagir com os livros e a arte de todas as formas possíveis - tocando, sentindo - até mesmo provando - e lendo também. 



Você acha importante que os livros infantis sejam politicamente corretos?

Não. Eu pessoalmente acho o contrário, pois acredito que as pessoas deveriam abrir suas mentes e pensar por elas mesmas. Porém, entendo que muitas pessoas (o que tem sido verdade) vejam os livros infantis como uma oportunidade de direcionar o pensamento das crianças e mostrá-los do jeito que os adultos querem. E tem sido verdadeiro (como resultado disso) que os livros infantis têm sido mais "politicamente corretos" do que os livros para o público adulto. Não acho que isso irá mudar, mas sempre existirão livros "não politicamente corretos", e há uma longa tradição de livros infantis subversivos. 



Como os pais podem reconhecer um bom livro para os filhos?

Procurando com afinco! Ninguém conhece melhor os filhos do que os próprios pais, então ninguém pode aconselhá-los. Eles devem examinar cada livro com seriedade e perguntar coisas como "esta obra partilha dos valores que eu desejo passar aos meus filhos?". "Meus filhos reagirão de um jeito que eu goste?". Isto é, será que eles vão dar gargalhadas ou ficarão com medo - e se vão ficar com medo, será que eu quero que eles fiquem assim? "Este livro está funcionando para a criança?". Só os pais podem julgar o que eles querem para os seus filhos. Leva tempo, mas os pais não deveriam deixar essa tarefa na mão de outras pessoas. Críticos podem indicar a direção certa (se escolherem seus críticos com cuidado), mas os livros escolhidos pelos pais têm de combinar com seus filhos - o que demanda cuidado e um bocado de amor - e, o mais importante, os pais têm de reconhecer a importância da literatura infantil. E esta questão sugere que não existe essa coisa de um "bom livro", mas um livro que seja bom para determinada pessoa.



De que forma os infantis contribuem para tornar a infância uma commodity?

Se a literatura infantil é parte do processo de vender produtos, de fazer cada criança a mesma, e talvez até pior, de fazer cada história a mesma, então sim, a literatura infantil pode ser considerada um fator maior de "comoditização" da infância. Mas alguns dos melhores livros da literatura para crianças foram escritos por rebeldes, e ainda acho que livros infantis, por serem subversivos e rebeldes, podem ajudar a libertar a infância, isto é, dar às crianças a chance de se tornarem adultos que pensam de forma livre. 



Muitos produtos culturais visam falar para pais e filhos. Não se corre o risco de infantilizar a narrativa como um todo?

Esta é uma pergunta estranha para mim - porque em inglês, "infantilizing" significa "simplicar de uma forma ruim" - com a implicação de que infantil é uma coisa ruim. Eu argumentaria o contrário: livros e filmes que fingem ser para crianças, tendo os pais como público secundário, estão de fato degradando a infância e insultando as crianças. Livros e filmes voltados para esses dois públicos (como Shrek) são geralmente voltados para adultos (que têm o dinheiro) e as crianças são secundárias. Outra resposta seria "o que há de errado com a infantilização?". Melhor do que a "adultização"!

Era uma vez antigamente, mas muito antigamente, nas profundezas do passado, quando os bichos falavam, os cachorros eram amarrados com linguiças, alfaiates casavam com princesas e as crianças chegavam no bico das cegonhas... Aconteceu naquele então uma história de amor.
            Um pouco complicada é verdade! Afinal, o que pensar de um romance entre um gato malhado (e diga-se: com terrível fama de mal e egoísta) e uma andorinha? Andorinha Sinhá era bela e um pouco louca – na opinião geral – e enquanto todos fugiam de pavor do bichano, ela passava horas a fitá-lo. De repente, o amor desperta de seu sono à inesperada visão de outro ser. Assim também ocorreu no coração do Gato Malhado. E tinha sentimentos o tal do gato insolente? Ou ele estava tomado pela inspiração da primavera?
            Pois bem... O que pensavam (e diziam) os outros habitantes da floresta não era difícil adivinhar: Ela habituou-se a espiá-lo enquanto ele dorme; Ela é cabeçuda e se deixa guiar pelo coração; O Gato Malhado é a sombra na vida tranqüila da Andorinha Sinhá; Os gatos são inimigos das andorinhas.
            Conselhos, advertências, proibições e até passeatas para impedir o caso de amor. Os principais especialistas foram chamados: Reverendo Papagaio, a Vaca Mocha, O Pato Branco, O Pombo e a Pomba, O Sapo Cururu, todos contrários àquela história. Dos pais, a decisão de que Andorinha Sinhá precisava casar-se. O parque inteiro aprovou: Que bom casamento! O Rouxinol é belo e gentil, sabe cantar, é da raça volátil!
             Quanto ao destino de nossos apaixonados? Só perguntando ao Tempo, pois ele prometeu uma rosa azul para a Manhã desde que ela lhe contasse uma boa história. Ela lhe contou e, Jorge Amado, um dos grandes nomes da literatura brasileira a escreveu e presenteou seu filho João que, em 1948 completava seu primeiro aniversário. Carybé ilustrou e a Companhia das Letrinhas publicou uma nova edição da inesquecível história de amor entre o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá.

Por Cleber Fabiano da Silva.
Pesquisador voluntário do PROLIJ – UNIVILLE.

FICHA TÉCNICA:

O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ
Autor: Jorge Amado
Ilustrações: Carybé
Editora: Cia das Letrinhas 
porque escrever é dar a cara a tapa.



É por aí que podemos pensar o primeiro livro infantojuvenil do escritor Rubens da Cunha, poeta e cronista, autor de trabalhos muito sólidos e reconhecidos como os livros “Campo Avesso”(2001, Letra d’Água), “Casa de Paragens” (2006, Editora da UFSC), “Vertebrais” (2008) e “Aço e nada” (2007, Design Editora) (os três primeiros de poemas, o último de crônicas). 
  Quando no lançamento do seu novo livro, no final do ano passado, Rubens em nenhum momento negou que passava, a partir daquele momento, a pisar em terreno antes pouco conhecido para ele. A última página do livro deixa claro isto também: “Crônica de gatos é seu primeiro texto destinado ao público infantojuvenil”. E este novo livro do escritor joinvilense pode ser visto como um passo que não estica muito a perna, um passo que mantém os dois pés bastante próximos. Não é um salto. É uma tentativa de dar um passo seguinte mais para frente, com uma segurança necessária para que nenhum tropeço ocorra nesse processo de continuidade. Algo que me parece claro já no nome do livro, “Crônica de Gatos”, uma referência a um gênero com o qual Rubens lida há bons cinco ou seis anos semanalmente no jornal “A Notícia”, de Joinville, que circula por todo o Estado de Santa Catarina, e também uma referência a um animal pelo qual o autor assume predileção, e que também já foi tema de algumas crônicas e de alguns poemas seus.
   Outra evidência do passo curto acertadamente dado por Rubens neste novo trabalho está em um dos elementos que compõem a história contada em “Crônica de Gatos”: o livro. Elemento este de muita segurança para o autor, não só pelo fato de já ter sentido a experiência de publicar quatro livros, como pela relação que ele demonstra estabelecer como os livros enquanto um leitor, algo que pode ser sentido a partir de seus escritos e das referências leitoras presentes em sua obra até o momento.
   Há pouco tempo, em uma entrevista que fiz com Rubens, para meu blog, ele apresentou um pouco mais do leitor que é: “Um sujeito curioso e que se irrita quando o interrompem durante a leitura. Eu gosto de ler tudo, é quase um ato involuntário. Está escrito, eu estou lendo. Mas a preferência, claro, vai para os livros de literatura, sobretudo, poesia e prosa que tenham algum elemento de ruptura com a linguagem, algo que vá além da história, pura e simples”.
   E são os livros que ligam os três personagens deste livro, o narrador e dois gatos. E é por meio dos livros que Rubens alcança uma segurança necessária para se soltar nesse terreno pouco conhecido dele.
   Como em todo terreno que se apresenta novo, por mais cuidado que se tenha, é preciso estar ciente dos sustos que o desconhecido apresentará. E é possível se deparar com alguns sustos no texto do “Crônica de Gatos”. Alguma precipitação na narrativa da história, uma entrega além do que devia, uma palavra fora de lugar que faz brecar a interação do leitor com a história, como para mim aconteceu no momento em que li a palavra “morte”, no meio da narrativa. O próprio trabalho de texto com imagens permite ao escritor não entregar tanto da história ao leitor, deixando este solto o necessário para construir sua significação leitora aliando narrativa e imagens.
  E a partir disso também se faz necessário salientar as excelentes ilustrações do livro, assinadas por Regina Marcis. Um trabalho de colagens que dá ainda mais força ao texto já muito consistente de Rubens da Cunha. Um texto de frases curtas que se complementam pelas brechas que cabem ao leitor significar, tendo o leitor, neste caso, as imagens como elementos adicionais de leitura.
  Rubens acerta em não esticar muito o passo neste novo trabalho. Acerta em mostrar ter ciência de que um escritor constrói sua trajetória não somente por meio dos livros que lê, mas também a partir de um olhar consciente sobre sua própria produção, medindo com cuidado os passos a serem dados, os caminhos a serem desbravados, e os mantimentos necessários para que desses passos e desses caminhos nasçam frutos tão sólidos quanto os já construídos e entregues ao mundo-leitor.

ÍTALO PUCCINI, PROFESSOR, LEITOR E ESCRITOR. INTEGRANTE DO PROLIJ (PROGRAMA INSTITUCIONAL DE LITERATURA INFANTIL JUVENIL DA UNIVILLE). ESCREVE NO WWW.UM-SENTIR.BLOGSPOT.COM
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resenha publicada no caderno ideias do jornal anotícia, 30.01, página 3. aqui.
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