Ítalo Puccini*


O mundo já é apresentado enquanto escrita, o que requer leitura e interpretação (LAJOLO, Marisa & ZILBERMANN, Regina).


A história da escrita e das línguas está longe de terminar, pois o caráter da escrita é imagético e transitório. Hoje falamos e escrevemos em português, mas há muito se cogita a criação de uma linguagem universal (uma tentativa foi o Esperanto, no século XIX) para unir todos os povos. A internet pode ajudar nesse processo, mas será possível? O tempo dirá.

O que temos hoje é quase que um retorno às primeiras formas de escrita registradas pela civilização. E é no espaço virtual que se pode observar esse retorno, essa busca por novas formas de expressões (e, sabe-se, nem tão novas assim).

Tem-se, por exemplo, a escrita fragmentada, enxuta, que pouco diz, mas que muito quer ser entendida. As abreviações são modelos clássicos nisto. Uma escrita mais rápida, mais dinâmica. Apenas um reflexo social. Nesse ritmo alucinado de vida, nada mais natural ao ser humano que registrar de maneira breve, sucinta, econômica aquilo que é anunciado, seja oralmente, seja de forma escrita.

Desde a popularização da internet, durante os anos 90, foram muitas as mudanças nos hábitos de escrita e de comunicação no mundo todo. Primeiro foi o surgimento do e-mail, depois vieram as salas de bate-papo e os comunicadores instantâneos (como ICQ e MSN) e, finalmente, os blogs e as redes sociais (Orkut, Facebook etc.), hoje tão populares entre os adolescentes quanto diários e papéis de carta um dia já foram. Em meio a essas mudanças, com o advento de novos recursos e ferramentas comunicacionais, o internetês – nome dado à grafia abreviada utilizada na internet – acabou se desenvolvendo e cristalizando-se à medida que a rede mundial de computadores evoluiu.

É por estes caminhos que a escrita hoje em dia mais acontece. É por aí que mais se relacionam as pessoas. Através de textos curtos, repletos de espaços de preenchimento aos leitores. Uma escrita que ao mesmo tempo anuncia algo, mas que não diz este algo em sua totalidade. Uma escrita que procura despertar a atenção e o interesse. Mas que não se aprofunda. Prova maior disso é o microblog twitter, ferramenta em que seus usuários escrevem textos de no máximo 140 caracteres (esta é uma frase neste modelo, do “Prova” até “caracteres”). A máxima ‘menos é mais’ nunca fez tanto sentido como nos dias de hoje.

É isto com o que nos deparamos no livro “Das tábuas da lei à tela do computador”, das escritoras Marisa Lajolo e Regina Zilbermann (Editora Ática, 2009). Um cuidado em resgatar toda a história do surgimento do texto escrito, das primeiras formas de expressão do ser humano, e das maneiras de se fazer entender oriundas daquela época.

Seguindo esse caminho, como não poderia deixar de ser, ainda mais se levando em conta que a leitura, sem a escrita, não faria sentido, sendo a recíproca a maior prova da afirmação, as autoras apresentam ao leitor um panorama das diversas possibilidades de leitura com as quais hoje nos confrontamos, sejam, estas possibilidades, em termos da ação do ato de ler, quanto no que diz respeito às ferramentas utilizadas para estas leituras – exemplo do meio digital Ipad, um recurso de leitura que armazena vários e vários livros em uma tela um pouco menor do que um notebook.

Assim sendo, também, com o conceito de escrita, uma vez que a escrita mais disseminada pelo meio virtual demonstra um movimento de retomar a escrita desde sua invenção: através de sinais, de caricaturas, os hoje chamados emoticons. Bastam ser observadas expressões escritas para designar sentimentos, como :( :) *--* ^.^ =D =P ¬¬ =O =B

Os emoticons [fusão das palavras inglesas emotion, "emoção", com icon, "ícone"] são amplamente utilizados por internautas para expressar humor e sentimentos durante troca de mensagens. Além disso, a maioria dos atuais comunicadores instantâneos já consegue decodificar essas combinações tipográficas e traduzi-las por equivalentes pictóricos, alguns inclusive com movimentos animados, de modo que ao digitar :) a seqüência se transforme imediatamente no desenho de uma "carinha feliz", assim .

Esta aproximação muito grande entre tecnologia e escrita e leitura impõe ao ser humano, ao mesmo tempo em que permite a ele, uma capacitação para bem fazer uso de recursos como estes em prol de sua comunicação. Comunicação esta que a cada dia sofre interferências e alterações, seja na maneira oral, seja no modo verbal-escrito de se expressar. Conforme dizer das autoras, a escrita gira em órbitas da oralidade, enquanto que a leitura recompõe a unidade perdida entre as duas ações anteriores.

Estar alheio a essa contínua transformação é o mesmo que se alienar socialmente. Neste mundo não-linear, neste ritmo de vida que também não segue em linha reta e definida, não teria como ser diferente no que diz respeito às formas de comunicação e de interação. Temos um conhecimento não mais preso a uma página impressa ou a uma parede. Toda leitura, de todo e qualquer movimento, torna-se uma escrita em potencial, uma nova possibilidade de pensar e de agir e de se fazer ouvir.



Referência Bibliográfica:

LAJOLO, Marisa & ZILBERMANN, Regina. Das tábuas da lei à tela do computador: a leitura em seus discursos. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2009.
IMPRIMA E INSCREVA-SE
Inacreditável. É assim que podemos chamar a cidade de Porto. Como nosso voo sai daqui, cá estamos. Deslumbrados. É antiga a rivalidade que há entre Lisboa e Porto. Mas, os prolijianos que conhecem os dois lugares têm certeza de que a terra-natal de Almeida Garret é a mais linda de Portugal. De manhã e à noite. O mar e o rio se encontram e, ora são iluminados pelo sol, ora pela lua. As pontes, a ribeira, as caves de Vila Nova de Gaia (do outro lado das pontes), a livraria Lello, os museus, os passeios, as pessoas mais do que simpáticas encantam e nos fazem ter vontade de ficar, e ficar e ficar... e se tivermos que ir, temos a certeza de que voltaremos. Ah, Gonçalves Dias, as aves daqui gorjeiam maravilhosamente bem.
Nossa última manhã em Chaves aconteceu em 16-05. A sessão de comunicação foi moderada pelo presidente do Congresso, o Professor Doutor Armindo Mesquita. No evento, A lenda de Maria Mantela nos apresentada por Maria Assunção Annes Morais, que citou ser considerada infiel a mulher que, na antiguidade, tivesse mais de um filho de uma vez. Imagine sete! Carlos Nogueira em O diabo, as bruxas e a morte na literatura infantil discorreu sobre o plano da morte como o plano do tempo. Por sua vez, o enógrafo, Xosé Manuel Gonzalez, representando o museu do povo galego, Espanha, abordou, entre outros, a importância da preservação das lendas galegas de tradição oral. Terminado o Congresso, partimos para Porto, embalados por fados, na voz de Amália Rodrigues. A paisagem do trajeto era de encher os olhos que ficaram ainda mais extasiados com as belezas da cidade à qual chegávamos. Porto, uma das mais importantes cidades portuguesas, possui uma grande Universidade. Alojamo-nos muito próximos à foz do Rio D’Ouro, cuja paisagem é inebriante.
O sol retornou a cidade de Chaves e com ele, aquecemos as discussões no congresso. Antes, porém, saímos a essa linda cidade em busca de um contato com a cultura local. Visitamos livrarias, antiquários e, para comer, tivemos que recorrer a um fast food, pois estava muito tarde e tínhamos que ir ao congresso. Fizemos um grande contato com a professora Maria Eva Machado, da Universidade do Minho, dando um grande passo para a próxima pesquisa. Como as apresentações terminaram um pouco mais cedo, e como estávamos a vinte minutos de Verín, na Espanha, fomos conhecer essa cidade, a qual achamos “mui rica”.

Rodrigo e Silvio.
Às 8h30min (não pontualmente) o evento iniciou. Pegamos nossas pastas e assistimos à abertura. Estavam presentes na solenidade, entre outros, o presidente da câmara de vereadores de Chaves e o coordenador do PNL (Programa Nacional de Leitura). Este falou sobre a importância dos livros na vida de crianças e jovens, enfatizando o fato de que o virtual não pode ser descartado, pois sites e blogs também são propagadores da leitura. Em torno de 16h30min foi nossa vez. Havia expectativa por parte de todos, em relação a nossa fala. Inclusive, o Sr. Armindo Mesquita, organizador do Congresso e professor da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes, instituição envolvida no evento) revelou já ter lido os escritos da professora Sueli. Veio também nos recepcionar Fernando Azevedo, um professor da Universidade do Minho, o qual disse ter ficado interessadíssimo em nossos estudos de pós-modernidade e demonstrou interesse em levar o PROLIJ para desenvolver algum trabalho no recém-criado Instituto de Educação, ligado à Universidade do Minho, o qual também desenvolve pesquisa na área da Literatura Infantil. Delicadamente, os portugueses dispuseram, no palco seis cadeiras, de forma que pudemos estar todos juntos durante a fala. Nossa proposta era discutir a pós-modernidade na literatura para crianças e jovens, no sentido de como os temas essenciais do gênero vêm sendo tratados à luz desse pensamento. Sueli e Rodrigo, primeiramente, de como os contos infantis clássicos vem sendo revisitados e modificados, em alguns aspectos na contemporaneidade. Em seguida, focaram na figura do lobo. A segunda dupla a falar – Andréa e Áurea – evidenciou as princesas das histórias de hoje, mais independentes e fortes. Por último, Alencar e Sílvio compararam os príncipes de ontem e hoje, mostrando como eles deixam de ser os românticos heróis redentores para, antes de tudo, buscarem entender-se. Ao final, Sueli encerrou, dizendo que cada coisa leva a marca do seu tempo, por isso é inegável que os heróis e heroínas se transformem e interajam com elementos de hoje. Como sempre, o PROLIJ foi sucesso e recebeu muitos aplausos.

Alencar.
No segundo dia em terras lusas, descansamos, procurando fazer o corpo entender o fuso. A única coisa que fizermos fora do hotel foi um pequeno passeio pelo centro antigo de Chaves. A cidade foi fundada no século XIII e guarda bastantes resquícios medievais. Da janela do nosso quarto vimos, por exemplo, uma muralha que circunda uma torre. Ouvi dizer que é aberta à visitação. A maior parte do tempo, porém, usamos para preparar nossa apresentação, que será amanhã, logo no primeiro dia do Congresso. Segue o link com para quem quiser ver o programação: http://www.utad.pt/.

Alencar.
Fizemos o caminho contrário de Cabral. É hora dos índios (ou mestiços) irem a Portugal. Se os portugueses já sabiam da existência da nossa terra, não sei. Nós viemos com um propósito bem específico: participar do III Congresso Internacional de Literatura Infantil e Juvenil, em Chaves, na região de trás-os-montes. Assim que chegamos a Porto, alugamos um carro e rumamos para o norte. É primavera na Europa, portanto a natureza, exibida, presenteia-nos com o que ela tem de mais lindo: as cores. Os montes são verdejantes, alourados, lilases, convidativos. Dão-nos as boas vindas e fazem-nos sentir em casa. Chaves é uma cidade aconchegante. Amanhã vamos ensaiar para o Congresso, pela manhã, e à tarde, queremos bater perna.

Alencar.


O PROLIJ participou no último dia 28 de março do evento "A Literatura Infanto Juvenil no Brasil e as contribuições de Monteiro Lobato" realizado na cidade de São Francisco do Sul, promovido pela Fundaçao Cultural do municipio.

A Profª Dra. Sueli de Souza Cagnetti e os pesquisadores voluntários do PROLIJ, Alcione, Andréa, Alencar, Áurea e Rodrigo, contribuíram para o evento com uma palestra interativa para mais de 300 professores da rede municipal de ensino, além de estudantes dos cursos de magistério e de Pedagogia, possibilitando assim reflexão e discussão sobre o tema central do evento.

Os prolijianos interpretaram Emília, Visconde e o próprio Lobato para colaborar com a discussão acerca da Literatura Infanto Juvenil no Brasil e o universo Lobatiano.

Foi sem dúvida uma tarde inesquecível.




Ítalo Puccini e Rodrigo da Silva

A imaginação – como a inteligência ou a sensibilidade –
cultiva-se ou atrofia-se








É esta uma das primeiras afirmações da autora Jacqueline Held no seu livro O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica. Uma homenagem ao imaginário, assim poderíamos definir o centro das atenções desta obra. Um imaginário que cultivado pelo fantástico serve de fonte para as realizações e as conquistas daquele que o cria à medida que se constitui como Ser. Uma vez que, o fantástico representa “o irreal no sentido estético daquilo que é apenas imaginável” (1980, p. 24),ou seja, aquilo que existe na imaginação de quem o cria.

Este fantástico na literatura para crianças é pensado a partir da ideia de que “A leitura do real passa pelo imaginário” (1980, p. 10), e de que “Uma vida humana é uma ficção que o homem inventa à medida que caminha” (1980, p. 18). Diante dessas assertivas são abertas novas indagações a respeito deste fantástico: seria ele irracional ou racional? E que relações seria possível estabelecer entre fantástico e ficção científica? Perguntas que levarão o leitor a questionamentos de algo que é próprio da essência literária.

No entanto, conforme a autora deixa claro, permanecerão sem respostas exatas, pois são apresentadas ao leitor, apenas, possibilidades de se pensar e de se relacionar o fantástico. Como, por exemplo, aos desejos humanos, ao conto da ficção científica e às formas de humor e de poesia presentes nos textos literários. Tudo isto, levando o leitor a perceber a importância do texto fantástico para a criança em sua formação - humana e leitora - uma vez que, segundo as próprias palavras de Held (1980, p. 53), “(...) dar à criança o gosto pelo conto e alimentá-la com narrações fantásticas, se escolhidas com discernimento, é acelerar essa maturação com manipulação flexível e lúcida da relação real-imaginário”.


O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica


HELD, Jacqueline.
São Paulo, Editora Summus, 1980.




*Rodrigo da Silva



Do início para o fim, de trás para frente, não importa como o lemos. Zoom é um livro que desconstrói a maneira pela qual vemos as coisas. A cada Zoom, somos levados a inúmeras reflexões (filosófica, social e a muitas outras), bem particulares de nossa condição humana. Pois, aquilo que parece estar ali, pertinho, na verdade pode estar muito longe. Aquele que parece ser real, pensando bem, não o é, mas e daí? O que importa é como absorvemos, construímos e transformamos as coisas a partir das nossas experiências e realidades. Quem sabe aquela questão enorme e difícil de resolver, um toque do tempo e Zoom... Ela pode parecer menor do que imaginávamos. E assim vão: a vida, as relações e todas as experiências - Zoom e... É esperar para ver o que vem!




ZOOM

Banyai, Istvan.
Rio de Janeiro, Brink-Book, 1995.


*Rodrigo da Silva é pesquisador voluntário do Prolij.
Kamila Erbs


Atualmente a leitura é um assunto que está constantemente em pauta. Discute-se o desenvolvimento e importância da leitura na política, universidades e na escola.
A leitura transita em diversas mídias como jornais, revistas, livros, internet, publicidade, fazendo-se presente nessas mídias e em outras mais. Essa atual transitividade pelos mais diferentes espaços direcionam e dão diferentes formas a nossa leitura.
O livro “Das tábuas da lei à tela do computador- A leitura em seu discursos”, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman , discute justamente essa transitividade da leitura com propriedade histórica e textual
O texto é construído através de ensaios interligados nos quais as autoras discursam acerca da jornada da leitura, proporcionando ao leitor uma agradável viagem histórica. Vale à pena conferir.




LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina

Das tábuas da lei à tela do computador- A leitura em seus discursos, 2009
*Maria Lúcia Rodrigues



Espelho é um belo exemplo de livro que não necessita de floreios na imagem para refletir grandes questões. Por meio de dois elementos em praticamente todo o livro, Suzi Lee, premiada autora nascida em Seul, na Coreia do Sul, aborda questões referentes às relações entre pessoas, ao autoconhecimento, a solidão, tolerância e talvez sobre muitas outras coisas, que somente as releituras e os múltiplos olhares lerão nela,. Afinal, uma narrativa visual quanto mais aberta for, mais rica será.

O enredo simples, conta o momento onde a personagem, uma menina, desenhada pela autora, de vestido amarelo e traços soltos a carvão ou material similar, encontra seu reflexo em um espelho. O ambiente vazio, traduzido pelo branco das páginas, confere uma sensação de espaço potencializado pelo desenho posto na base da página , ora nas bordas laterais, ora na junção das páginas espelhadas. A representação da personagem e seu reflexo no espelho aliado as suas ações nos levam a percursos interpretativos distintos, tornando cada virada de página uma surpresa.

Espelho nos mostra que, não é na igualdade e na concordância que se constroem relações verdadeiras, mas na diferença e na discordância, é partindo delas que visualizaremos nosso real reflexo. E a menina fez sua opção ao se deparar com a verdade dela refletida. O resultado cabe a nós leitores interpretarmos.


LEE, Suzi.

Espelho, 2009


*Pesquisadora voluntária do PROLIJ e mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade
*Andréa de Oliveira



O livro reúne textos e imagens de diferentes autores ligados à psicanálise, arte, mitologia e literatura, sendo organizado por Carl G, Jung, psiquiatra e psicanalista Suiço, contemporâneo de Freud e um dos grandes ícones da psicologia mundial, criador da Escola Analítica de Psicologia. Um dos primeiros textos foi escrito pelo próprio Jung e traz uma introdução explicativa sobre conceitos como, consciente e inconsciente. Toda a obra aborda as questões da subjetividade e em muitos momentos Freud é citado já que foi este autor o primeiro a tentar explorar empiricamente o plano inconsciente, a análise dos sonhos e a livre associação.

No percurso pode-se perceber a importância que as imagens oníricas descritas por Freud como resíduos arcaicos, e a influência da mídia por meio de seus símbolos exercem no inconsciente coletivo. São palavras e imagens que podem desencadear desejos e frustrações.

O livro aborda a analisa de símbolos culturais, que permearam por muito tempo as relações do homem com a natureza e que com o progresso do conhecimento científico foram perdendo força e enfraquecendo essas relações.

Como descreve Jung na página 95, “Pedras, plantas e animais já não têm vozes para falar ao homem e o homem não se dirige mais a eles na presunção de que possam entende-lo”. Desta forma, acabando o contato do homem com a natureza, deixa de existir a profunda energia emocional que esta conexão simbólica alimentava.

Outras relações vão sendo estabelecidas e apresentadas no livro. Os mitos e símbolos eternos como guerras, heróis, festas natalinas e que marcam a fecundidade e a ressurreição como é o caso da Páscoa, constituem os andaimes do homem e apontam a necessidade da existência desses para a formação do Self (interior).

Questões antropológicas que separam o homem cultural do homem primitivo como o incesto, são analisadas por meio do clássico A Bela e a fera. Quanto aos contos de fadas, outros aspectos são considerados por meio da simbologia do início das narrativas que podem configurar situações como: um rei doente, um casal que não pode ter filhos, a escuridão que envolve a Terra, secas e geadas que simbolizam uma dificuldade a ser ultrapassada e resolvida por um efeito mágico como se acreditava em épocas mais primitivas e que representam o inconsciente coletivo. Sobre os contos de encantamento ainda, é apresentado o termo Anima, que é um termo explorado por Freud para designar aquilo que dá mensagens de vida, o que dá pulsão de vida ao Self (o interior), provocando alguma reação positiva diante das adversidades que nos contos aparecem desencadeados pelas personagens femininas como, fadas, bruxas, feiticeiras, cartomantes ou médiuns que geralmente provocam ou explicam os obstáculos pelos quais o herói ou heroína terá de passar.

As apropriações dos símbolos por parte da arte também é apresentada e o fato de alguns artistas encontrarem um refúgio contra a realidade que às vezes pode ser feia, má no efeito da abstração também é comentado.

Uma leitura que requer um pouco de repertório no campo da psicanálise, arte e literatura talvez, mas possível à todos e sem dúvida nenhuma uma obra básica para o entendimento do humano, de sua jornada e existência.



JUNG, Carl Gustav. (org.) trad. Maria Lúcia Pinho.
O Homem e seus Símbolos, 1996


*Pesquisadora voluntária do PROLIJ e mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade
O ilustrador Guto Lins tem uma família ilustrada, mas muito real e que vem encantando leitores por esse mundão afora. Ele tem Mãe, Pai, Avó, Filho, Filha, Irmã, Primo e Sogra. A Coleção Família, do Guto, com um livro para cada uma dessas peças raras, dedica uma visão particular do autor, com texto e ilustração muito atraentes, bem articulados na sua composição e que nos traz sempre, com suavidade e um pouco de ironia, um tom de realidade a peculiaridade da representação de todos nas relações familiares. Em Sogra (Editora Globo: São Paulo, 2008 – apresentação Ziraldo), Guto dá um presentinho a essa figura quase que “mitológica” e estigmatizada que ela é. Afinal, no imaginário popular, Sogra é Sogra. Há até pouco tempo, não existia Sogra que pudesse ser amada pela nora ou pelo genro. Acho que hoje já mudou um pouco e já se encontram por aí os que adoram, defendem e, principalmente, revelam o sentimento bom pelas suas sogras. Não me perguntem o que houve, mas percebo que vem sendo assim. O livro do Guto é para todas elas e especialmente para a dele. Ele conceitua Sogra do seu jeito, a posiciona no conjunto familiar, com seus papéis e sentimentos, mostra que também não é fácil ser sogra e com muito bom-humor vai desvendando diversos tipos de sogra.

Ler Sogra é prazeroso, como todos os outros livros da coleção. Dá uma chance para refletirmos com alegria sobre quem somos nós diante dela na família. Quem sabe, numa só Sogra tenha um pouquinho de cada uma das sogras que a gente vê no livro dele, o que seria perfeitamente humano. Ou como o Guto diz, no final da narrativa, tem sogra que vira piada de sogra e tem sogra que vira livro.



Pierre Porto Silveira, Redator Publicitário e Editor de Cultura


LINS, Guto Lins
Sogra, 2008
Ítalo Puccini.






A presença da morte como personagem de livros infanto-juvenis não é novidade para os leitores mais atentos. O que encanta, justamente, são as possibilidades de narrativa e de personagens criadas por escritos no mínimo sensíveis a esta temática que, ao mesmo tempo em que assusta a muitos, encanta a outros tanto.

O escritor alemão Wolf Erlbruch, ganhador do prêmio Hans Christian Andersen em 2006, pelo conjunto da obra, bebeu desta fonte. São deles duas histórias nas quais a morte se personaliza.

Ele é autor de um livro lindíssimo, chamado “A grande questão”, no qual a grande questão que dá nome ao livro é a do por que viemos ao mundo. E ele apresenta respostas das mais finas para isso. Mas não são respostas dele, não. Ele apresenta os dizeres de diversos seres importantes sobre o porquê de estarmos aqui no mundo, como por exemplo: para o passarinho, a grande questão do por que viemos ao mundo é para cantarmos a nossa própria canção. Algo como construirmos nossa própria história. Para o marinheiro, é para navegarmos por todos os mares. Para o jardineiro, viemos ao mundo para aprendermos a ser pacientes. O pato diz não fazer a menor ideia do por que viemos ao mundo. Para a pedra, estamos aqui para estar aqui, somente. E para a morte, estamos aqui “para amar a vida”.

E a morte que nos diz isso em “A grande questão” reaparece em “O pato, a morte e tulipa”, o outro livro do Wolf Erlbruch. Reaparece para nós, leitores, e aparece, pela primeira vez, para o pato. Aquele mesmo pato do outro livro, sim, que não fazia a menor ideia do por que estava no mundo. E, como a vida mais das vezes toma proporções que nos fogem ao alcance, é este pato quem ensinará à morte o que é, ou pode ser, amar a vida.

A história da morte, do pato e da tulipa, ou do pato, da morte e da tulipa, como queiram, começa com um pato inquieto, incomodado com algo há algum tempo, e que de repente se depara com a morte ao seu lado. A morte que “tinha um sorriso amigo”, que até era simpática, bem simpática mesmo, “quando não se levava em conta quem ela era”.

A morte que passa a conviver com o pato por alguns dias. Que passa a sentir o que é, ou pode ser, viver e amar a vida. A morte que entra no lago com o pato, que inverte os papéis com o pato, passando a se sentir ela incomodada, e não ele:

“ – Está com frio? – perguntou o pato. – Posso te esquentar?

Ninguém jamais havia feito a ela uma proposta parecida”.

E nesse ritmo a morte segue aprendendo coisas boas da vida com o pato. Coisas que não servem pra nada, não. Sentindo justamente que as melhores coisas da vida não devem servir para nada. Como, por exemplo, a sentar-se lado a lado com alguém sem a necessidade de se falar algo. Como, por exemplo, a subir em árvores.

Até que um dia o pato sente frio. Um frio incômodo. E pede à morte se ela não quer esquentá-lo um pouco. E a morte fica a olhar para o pato. Esquentando-o com o olhar. Enquanto ele descansa.

Um descanso que se torna eterno. E a morte, então, carrega o pato no colo até o grande rio. Coloca-o lá, com cuidado, deitado para cima:

“E continuou olhando o fluxo do rio por um bom tempo.

Quando perdeu o pato de vista, por pouco a morte não ficou triste.

Mas assim era a vida”.

A última linha do breve texto da contra-capa do livro pergunta: “E onde a tulipa entra nesta história?”.

Pois a tulipa está na mão da morte desde o momento em que ela aparece para o pato. E é ela que a morte coloca sob o peito do pato no momento em que o ajeita nas águas do rio. Uma cena encantadora.

A tulipa amarela representa o amor impossível, ou a luz do sol. A tulipa roxa, a quietude e a paz. Mas é a tulipa vermelha que se faz presente na história. E é a tulipa que simboliza o amor verdadeiro. O amor pela vida, citado pela morte de “A grande questão”. O amor que humaniza a morte nas intermitências escritas pelo Saramago. E o amor que encanta ao aproximar a morte do pato, ao novamente humanizá-la. Ao desnorteá-la em seus afazeres. Ao deixá-la apaixonada. E ao torná-la apaixonante para o leitor.



ERLBRUCH, Wolf.

A morte, o pato e a tulipa, 2009

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