Olimpo Amazônico: deuses, visagens e pajelança

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Por Cleber Fabiano da Silva e Sueli de Souza Cagneti

Do que sobrou das religiões da Grécia antiga pouco aparece nos estudos de teologia. Mais fácil encontrá-las nos compêndios de mitologia ou obras literárias de apurado senso estético. Não se vê a circular pelas nossas cidades nem mesmo um homem que cultive as divindades do Olimpo ou pratique ritos em seu louvor. No entanto, quantas honrarias e pontos curriculares para o pesquisador de tais concepções religiosas.
Em nosso contexto brasileiro, parece que a orientação dada por Caminha ao rei de Portugal para “salvar essa gente” foi cumprida com requintes de excelência. Passados mais de cinco séculos, a religião dos povos indígenas virou vaga lembrança (mas sem tantas pompas acadêmicas) para alguns de seus seguidores ou admiradores. Felizmente há resistências... Em Urutópiag: a religião dos Pajés e dos Espíritos da Selva, de Yaguarê Yamã, editora Ibrasa, uma pesquisa realizada com pajés mostra práticas religiosas da crença tradicional dos Sateré-Mawés.
O livro aborda, de modo didático e profundo, a origem mística do universo, seus símbolos, mitos, fundamentos, liturgia e devoção. No mundo, feito em duas vezes pelos deuses: Tupana – o deus do bem e Yurupary – o deus do mal, coabitam seres encantados, visagens, espíritos e toda a sorte de seres viventes. “Senhores da vida e da existência, são os criadores do Sol e da Lua e da gigantesca Cobra-Grande (Mói wató Mãgkarú-sése) mãe de todas as serpentes, do corpo da qual fizeram o mundo” (p. 26).
De seus símbolos sagrados destacam-se o papagaio e a tukandera (formiga amazônica cujo veneno pode causar febre, vômito e dores violentas durante horas, podendo levar o indivíduo a morte). O preto e o vermelho são suas cores nacionais e, pela forte coloração, representam o ferrão da tukandera e o veneno das cobras como sinalizador de perigo.
Um dos pontos de destaque do livro diz respeito à pajelança, ou seja, a prática da medicina tradicional ligada à religião. A cura pode vir pelas ervas, pelos espíritos ou por ambos. Mediadores entre os sobrenaturais e os homens, os médicos da selva, herdaram o espírito curador de Anhyã-muasawyp, a primeira mulher que existiu no mundo, moça bondosa, conhecedora de todos os remédios e rituais de pajelanças que, depois de morrer, encarnou na sabedoria dos curandeiros. O autor observa que a derrubada das matas relega a existência desses seres fantásticos para regiões cada vez mais distantes, embora presentes como realidade.
Se, apesar dos poucos altares que restaram, o legado de mitos e heróis gregos continua vivo até nossos dias, por que não um olhar menos evangelizador e mais respeitoso com a ancestralidade de nossos povos primeiros? Boa leitura dessa obra escrita por um pesquisador vivente, nascido e criado no seio da cultura indígena brasileira.
           
FICHA TÉCNICA:

Obra: Urutópiag – a religião dos pajés e dos espíritos da selva
Autor: Yaguarê Yamã
Editora: Ibrasa
Ano: 2004


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