PROLIJ NA TERRA DA LIBERDADE

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        Por Cleber Fabiano da Silva

Zumbi, comandante guerreiro... Ogunhê,
ferreiro-mor capitão, da capitania da minha
cabeça, mandai alforria pro meu coração”.
(Gilberto Gil)

         Em nova viagem cultural para estudos acerca do tema Africanidades e como comemoração aos 15 anos do PROLIJ, embarcamos nós, os pesquisadores, acompanhados pela coordenadora Prof. Dra. Sueli Cagneti para o estado das Alagoas em busca da Serra da Barriga, local que abrigou o maior, mais duradouro, organizado e famoso quilombo das Américas.
         A promessa de que estávamos próximos da “terra da liberdade” era anunciada, na voz de boas vindas do comandante do avião, na chegada ao Aeroporto Internacional de Maceió – Zumbi dos Palmares. Nas bagagens: livros, guias e revistas sobre o lugar, máquinas fotográficas, cadernos de anotações e muita expectativa.
         Em contraste com a letra, tantas vezes ouvidas na música local, “ah... que saudades do céu, do sal, do sol, de Maceió”, estávamos diante de uma vegetação bastante diferente do litoral, já na Zona da Mata, entre o agreste e litoral nordestino. Instalamo-nos no Quilombo Park Hotel, a 2 km da cidade de União dos Palmares e a 8 km do Parque do Quilombo, num cenário ideal para iniciar as pesquisas e começar a ambientação para pôr os pés – aliás, descalços – na “terra da liberdade”. O aconchego do clima de fazenda somado ao atendimento caloroso e a culinária saborosa, permitiram-nos entrar de corpo e a alma em nossa empreitada.
         Inteirados sobre a região através de conselhos com os habitantes locais e trabalhadores do hotel já sabíamos que, antes de entrar no parque, deveríamos passear pela comunidade quilombola de Muquém para visitar e comprar artesanato local, além de conhecer a cidade de União dos Palmares.



União dos Palmares – Alagoas
População estimada: 62.727 (2009)
Área territorial: 427 km²




          Cidade polo da região da Zona da Mata alagoana, União dos Palmares fica localizada cerca de 80 quilômetros da capital, Maceió. É chamada de "Terra da Liberdade", pois nela, mais precisamente em sua Serra da Barriga, foi dado o primeiro grito de liberdade. Lá tivemos a possibilidade de um encontro com o secretário municipal de Cultura, Elson Davi que nos esclareceu sobre o parque, a cidade e sugeriu-nos uma visita a Casa do poeta Jorge de Lima.
         A casa-museu abriga em seu interior vários painéis com imagens, textos e referências à vida e obra do escritor que nasceu na cidade de União em 1893. Exerceu as funções de médico e ocupou diversos cargos públicos no estado de Alagoas. Publicou vários livros de poemas, entre os quais "Essa Negra Fulô" e "Invenção de Orfeu". Autor também de romances, ensaios e peças de teatro. Saímos da casa do poeta desejosos de conhecer melhor sua obra e sua influência no movimento modernista brasileiro.  
         Após parada para almoço, dirigimo-nos ao povoado de Muquém – comunidade quilombola situada a 6 km do centro da cidade onde estávamos. Procuramos pela artesã Dona Irinéia Nunes da Silva que há anos é reconhecida como a mais famosa artista da região. Seu trabalho é feito com argila e sua representação mais conhecida é a cabeça de Zumbi. Ficamos encantados com o seu trabalho e sensibilidade, mas também tristes com a dura realidade e a situação de abandono em que vivem esses quilombolas. 
         No trajeto para a Serra da Barriga, em meio a uma parada para informações, uma grata surpresa. Chegamos ao Centro Comunitário Nossa Senhora da Conceição, onde uma jovem professora – aluna do Curso de Magistério – ministrava aulas de reforço para um grupo de crianças em idade escolar. Inesquecível cena quando nos propomos a contar histórias, mais encantador ainda foi sair do local levando na bagagem a música do Colibri. Além da cena, o carinho e a delicadeza de gente tão simples, querida e familiar.
         Nossa chegada ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares foi bastante emocionante, principalmente, depois da visita à comunidade quilombola de Muquém. O parque fica numa área plana no alto da Serra da Barriga e preserva um ambiente próximo ao que poderia ter sido na época a República dos Palmares. Seu tombamento pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) data de 1985.
         O parque é o primeiro e único sobre a cultura negra em nosso país. Possui mirantes onde avistamos paisagens da Serra da Barriga e a sensação de saber-se num local tão desejado por nossos ancestrais causou-nos profunda emoção. Algumas construções foram reconstituídas para lembrar o ambiente em que viveram esses negros, tais como: a Casa de farinha, a Casa do Campo Santo, o Terreiro das ervas e as Ocas indígenas. O Memorial dispõe de pontos de áudio com música e textos em diversos idiomas que narram aspectos do cotidiano do Quilombo.
         Enfim, para muito além do que recolher materiais e impressões para pesquisa científica acerca das africanidades, tivemos momentos de profunda entrega e transcendência nesse espaço mágico, tão sonhado por tantos de nossos irmãos e que ainda hoje representa o nosso grande sonho de liberdade. Cecília Meireles, no final de seus “Romanceiros da Inconfidência”, traz-nos um magistral conceito de liberdade. “E morreram porque ousaram falar em liberdade. Liberdade: palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique ninguém que não entenda”.
         Aprisionados em frios e torpes porões ainda vivem nossos medos e preconceitos.  Estar na “terra da liberdade” é simbolicamente voltar-se para a nossa história – coletiva e pessoal – e juntar-se a Zumbi, Ganga Zumba, Aqualtune e milhares de outros ancestrais para ecoar um grito de liberdade. Em nossa volta, junto às credenciais finais desse belo filme, poderíamos ouvir novamente Gilberto Gil: “Brasil, meu Brasil brasileiro. Meu grande terreiro, meu berço e nação. Zumbi protetor, guardião, padroeiro, mandai alforria pro meu coração”. 




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