Resenha de A diaba e sua filha: Eu sou os outros

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Nicole Barcelos

Em um lugar qualquer, em um tempo qualquer, vaga pela noite uma diaba. De porta em porta, ela vai indagando quem encontra no caminho a respeito do paradeiro de sua filha, que sumiu sem deixar vestígios e da qual não se lembra direito. De profunda dor e incrível força poética, em A diaba e sua filha, a francesa Marie NDiaye constrói uma narrativa sobre identidade, medo e preconceito em que todos nós poderíamos ser a diaba ou aqueles que lhe fecham suas portas. 

Publicada em 2011 pela finada Cosac Naify, a estreia de NDiaye no gênero talvez ponha em cheque até mesmo o que alguns tenham por literatura infantil. Em uma bela edição que precisa ser urgentemente revisitada por uma nova editora, a autora francesa visita temas que podem ser considerados “difíceis” até mesmo para adultos, mas com uma sutileza e poesia que tornam essas “verdades duras” quase leves e oníricas, inclusive para leitores menos experientes. Com um tom como que de conto de fadas, Marie NDiaye tece uma narrativa, porém, que antes de condenar ou demarcar bons e maus, desfaz as fronteiras entre esses conceitos, sem morais prontas ou certezas a afirmar. 



As ilustrações de Nadja, por sua vez, estabelecem um diálogo encantador com o texto verbal. Sem contornos bem definidos, elas sugerem até mesmo a pouca clareza com que a própria Diaba é vista por seus interlocutores, e as fronteiras borradas que vemos ser dissolvidas. Os tons de azul do projeto gráfico dos desenhos também aprofundam o sentimento de solidão, frio e escuridão sugeridos pela narrativa verbal. Ao amarelo, tímido na capa, ausente nas ilustrações, e abundante no interior das capas, fica também sugerido o papel da luz que parece se acender ao fim dessa triste narrativa. 

A diaba e sua filha faz com que questionemos como nos colocamos ao bater à porta de alguém, e como nos prostramos diante daqueles que batem às nossas portas. Essa é uma história, afinal, sobre a maneira com que nos relacionamos com esses outros, com nossas mães, nossas filhas, e as pobres diabas que muitas vezes desumanizamos ao mero som de seus cascos.



NDIAYE, Marie. A diaba e sua filha. Ilustr.: Nadja. São Paulo: Cosac Naify, 2011.


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