QUE HONRA FRITAR BOLINHOS PARA SÃO JORGE!

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Por Georgia de Souza Cagneti[1]

É tempo de lagartear no Sítio do Picapau Amarelo. Mês de abril é o mês de Lagarto, quando todos descansam e não se faz nada. Como para as crianças descansar é quase um castigo, decidem ir conhecer os mistérios do céu. Com eles segue Tia Nastácia, não de escolha própria, mas acaba por decidir a primeira parada: a Lua! Lá encontram São Jorge e um dragão domesticado e comportado. Enquanto Emília, Narizinho e Pedrinho seguem viagem, a quituteira fica para cozinhar para São Jorge, apesar do medo que tem do dragão. As crianças passeiam pela via Láctea, visitam os anéis de Saturno, viajam montados em um cometa e nos fazem sonhar um céu sem fronteiras.
Lendo Viagem ao Céu de Monteiro Lobato, uma maravilhosa aula de astronomia, permeada de fantasia, perfeita para despertar interesse pelo cosmos nas crianças, fiquei procurando exemplos do racismo lobateano, tão criticado, atualmente, por alguns.
Será isso racismo, dizer que para uma cozinheira católica é a maior honra preparar seus quitutes para um Santo?
Tia Nastácia participa ativamente da aventura desde o princípio. E não da maneira que se esperaria de uma doméstica. Antes de mais nada é preciso contextualizar a história! No Brasil do início do século passado qual era a posição ocupada pelo negro na sociedade e qual o tratamento que este recebia. Uma sociedade em formação, onde persistiam os ideais escravagistas, apesar da abolição. Onde os princípios católicos afirmavam a ausência da alma nos índios, assim como nos animais. Onde o trabalho do homem livre negro valia muito menos, tanto que para alguns valia mais trabalhar em troca de comida e abrigo, sem dia de descanso, nem horário.
Tia Nastácia tem direito ao mês de Lagarto, exatamente como D. Benta, sua patroa, e não graças ao sindicato ou aos seus direitos trabalhistas, mas porque é vista como igual. As crianças conversam sobre incomodá-la ou não para fazer um novo Visconde. A opinião mais festejada é a sua, os moradores do Sítio consultam-na antes de tomar uma decisão e o seu parecer conta. E quando um anjinho de asa quebrada precisa de ajuda, é nas curas da boa Nastácia que os meninos pensam.
Ela, devota de São Jorge, (vale lembrar que é Ogum, transposto das crenças afro para as cristãs) tem seu desejo/sonho realizado, podendo conhecê-lo pessoalmente. Tem seu lugar no mundo respeitado. Isso é igualdade, ou seja, o contrário do racismo.
Além de desmentir acusações, este livro é uma viagem deliciosa, que nos ensina sobre o céu e a terra: uma leitura perfeita para todas as idades.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Viagem ao Céu
Autor: Monteiro Lobato
Editora: Brasiliense
Ano: 1932


[1] Mestranda em Línguas Estrangeiras para a Comunicação Interncaional, na Università degli Studi di Perugia, It.


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Um comentário:

Anônimo disse...

Belíssima sua resenha Ge.
Silmara

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