O rio da minha aldeia

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Nicole Barcelos


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, 
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia 
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia [...] 
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia 
E para onde ele vai 
E donde ele vem. 
E por isso, porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. 
(Alberto Caeiro, in Fernado Pessoa, O Guardador de Rebanhos) 


Rio é vida. É também cama de canoa, espelho da lua, caminho de peixe e carinho de pedra, nas palavras de Leo Cunha em Um ria, um rio, publicado pela editora Pulo do Gato em 2016 – não ao acaso também no “aniversário” de um ano da tragédia de Mariana (MG), ocorrida em 5 de novembro de 2015. 

Dando voz a um rio (aqui sabemos se tratar do próprio Rio Doce), que é narrador e eu-lírico da poesia verbal e visual tecida em dolorosa harmonia por Cunha e André Neves, que assina a ilustração; a obra traduz o “indizível”. Pois, esse eu-lírico, olhando para seu próprio passado, presente e futuro de uma terceira margem, lança nova luz sobre essa tragédia que levou, essencialmente, toda a vida dentro, fora e às margens do rio.

Pois, é com gosto de doçura interrompida que o leitor acompanha, página a página, o rio se tingir de tons cada vez mais escuros, deixando o azul límpido e tranquilo até sangrar em vermelho amargo o fim das escolas, dos campinhos, dos trens, do riso das crianças, das festas de domingo e dos cantos dos ribeirinhos.

Ao final do livro, é essa bittersweetness que se pode sentir na boca, acompanhada de um aperto no coração, acalentados apenas pelo azul que volta a colorir as páginas da obra, pontuando a esperança de que esse rio, um dia, volte a ser o que já foi.


CUNHA, Leo. Um dia, um rio. Ilustr.: NEVES, André. São Paulo: Pulo do Gato, 2016.



Nicole Barcelos é graduanda em Letras na Univille (Língua Portuguesa e Língua Inglesa). Atua como bolsista do Prolij e vive se perdendo em buracos de coelho.


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