A sensibilidade de compreender o processo do medo

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Ana Luíza Silva Sanches
Com o uso de cores simples, mas significativas, como o preto, amarelo e branco, O livro do medo, da escritora argentina Raquel Cané, trata da temática do medo com um viés distante do descaso e do tabu. A escritora articula as cores nas ilustrações da mesma forma que representa a existência do medo em diversas maneiras, sejam elas reais ou imaginárias, grandes ou pequenas, tendo apenas em comum o fato de nos assustarem.

Direcionado à pessoas corajosas o suficiente para mergulhar de cabeça ou à pessoas amedrontadas, a obra de Cané é o empurrãozinho que muitas vezes precisamos para enfrentar os nossos medos, para nos confortamos sobre o ritmo da vida e reconhecermos que é por meio desse processo que somos capazes de crescer e amadurecer, abraçando as nossas falhas e ressignificando-as em algo positivo.
O medo é necessário à vida, ele se fundamenta no processo de amadurecimento, se constrói pelo sensível e se fortalece em laços de relações humanas que nos libertam das nossas prisões interiores por meio das emoções, da leitura e da arte. Perder o medo do medo significa se desvencilhar da escuridão e apostar na coragem que é nossa, mas carece de encorajamentos.

A narrativa se constrói através da sensibilidade de encarar o medo como uma passagem necessária à infância, em que a criança, ao vivenciá-lo, evidencia o processo de entendê-lo a ponto de se fazer possível o seu enfrentamento, resultando na resolução dos conflitos internos e na superação das dificuldades encaradas como consequências do medo.

Conforme a história, esse medo pode ser acionado pela solidão, pela exposição ao mundo lá fora, pela incapacidade de enxergar ou de sentir, de perder-se ou de não conseguir compactuar ao afeto do abraço e à clareza do som das palavras. Esses medos, independente do quais sejam ou de que forma são estimulados, provocam um sentimento de fragilidade que nos privam de experiências a serem vivenciadas, experiências essas que podem resultar em algo vantajoso à construção do ser, do entendimento de si e dos outros.


Na obra, tal como na vida, essa compreensão é comumente impulsionada pela presença de outra pessoa, sendo, no caso, representada pela figura da mãe da personagem. Percebe-se, então, que o processo de compreensão e enfrentamento do medo se torna mais fácil e claro quando exteriorizado em um base de apoio, sendo possível lidar com sentimentos que assombram por meio do diálogo com alguém que esteja disposto a auxiliar em questões que, muitas vezes, nos parecem invisíveis ou passam despercebidas.

Nesse sentido, a troca de contato é responsável por encorajar a personagem à enfrentar os lugares escuros, impossíveis de enxergar, para se deparar com a esperança de um lugar colorido, com pássaros, sons, cheiros e sensações que ressignificam o ato de viver. Entende-se, pela obra, a necessidade do enfrentamento e da compreensão desse sentimento que amedronta e provoca frios na barriga e batimentos acelerados, pois, quando nos tornamos fortes e sensíveis o suficiente para enfrentá-lo, compreendemos a beleza da vida, que é, como a própria escritora finaliza, ‘’’bela, inteira e infinita’’ (CANÉ, p. 29).

Ana Luíza Silva Sanches é graduanda em Letras (Língua Portuguesa e Inglesa) pela Univille, atua como voluntária no Prolij e vê na literatura uma das formas mais sensíveis de se expressar e se (re)ssignificar.



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