O Diacrônico Inevitável da Vida

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1 Comments
“[...] E quando eu tiver saído

Para fora do teu círculo

Tempo tempo tempo tempo

Não serei nem terás sido

Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito

Ser possível reunirmo-nos

Tempo tempo tempo tempo

Num outro nível de vínculo

Tempo tempo tempo tempo [...]”*

Rafaela Casemiro **


A leitura de Clara Manhã de Quinta Feira à Noite, de Don Wood e Audrey Wood nos faz ir além de cada palavra que se segue: a passagem acontece de um nível de consciência a outro. Essa referência já é dada desde a capa e a quarta capa, através da simbologia do ovo e do cemitério, que indicam início e fim: nascer e morrer.

A história possui uma temporalidade bastante marcada em todos os elementos compositores do livro. É isso que vai significar os rituais humanos apresentados seqüencialmente. A diacronia, portanto, não é um adjunto na história, mas é o que norteia toda a relação semântica a ser percebida, pois provoca passagens.

A alusão temporal, na obra, acontece com o intuito de manipulação da vida e de valores. Essa intromissão natural em contrapartida com a liberdade humana provoca um conflito relacionado ao sentido e à forma de viver. Esse contato de forças poderosas e opostas é percebido pelo leitor através das ilustrações desorganizadas, cheias de elementos misturados e dispostos pelo jogo de cores, que insinua a mescla e a sobreposição. O próprio texto carrega essas mesmas características sob os recursos lingüísticos, como as antíteses e a construção de uma história sem coesão ou coerência em sua estrutura superficial.

A concepção que essas imagens retratam é a de que a vida, afinal, é cheia de paradoxos e incoerências. O fechamento da história acontece com uma última passagem que se confunde entre a vida e a morte: “acordei e sonhei que tinha morrido”. De repente, a gente percebe algo em nós que não estava certo; damos-nos conta de que estávamos vivendo como “mortos que se esqueceram de deitar***” , e, com isso, sofremos uma espécie de renascimento: quando morremos ainda em vida para certas coisas, quando nos esvaziamos para podermos nos encher, afinal, não há como colocar água fresca num copo que já está cheio. Essa morte, esse esvaziamento é necessário e sempre pressupõe algo novo.

Muitas passagens menores são abordadas durante a obra, como festas, celebrações e divisões, mas todas estão entre duas maiores – vida e morte – e, essas principais são sempre solitárias e não dependem da gente. Nós temos o domínio sobre nossa história enquanto estivermos dentro dela, mas o seu início já aconteceu determinantemente e o seu final já a espera na contracapa inevitável do livro.

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* Trecho da música “Oração ao Tempo” – Caetano Veloso
**Estudante do 2º ano de Letras, na Univille – Universidade da Região de Joinville
***Trecho da música “Saudade” – Nelsinho Correia



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Um comentário:

ítalo puccini disse...

que bem feita ficou esta construção! com versos e afins e texto bem escrito. parabéns, rafa!

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