O segredo da boa literatura

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Por Cleber Fabiano da Silva

"Os adultos pensam que a nossa vida é só brincar. Não é bem assim. A vida de Charlita nem sempre era fácil com a missão de dividir os óculos dela na hora da telenovela porque as irmãs também queriam utilizar os óculos para ver bem" (p. 31) "Uma tristeza de lágrimas me chegou logo nos olhos e tive que disfarçar que era do sol" (p. 56).
Com questionamentos filosóficos e devaneios poéticos, o narrador de Avó Dezanove e o segredo do soviético, do angolano Ondjaki, Cia das Letras, 2009, conta as aventuras ocorridas na PraiadoBispo em função da construção de um mausoléu para guardar o corpo do ex-presidente Agostinho Neto e a ameaça circundante de desalojar os moradores.
Ambientado com informações históricas e com pitadas biográficas, os personagens – verdadeiros tesouros literários – surpreendem pela caracterização e pela sensibilidade que os constitui. Com os olhos e ouvidos atentos, as crianças do bairro desconfiam das tramas dos "lagostas azuis" como eram chamados os soviéticos.
A obra surpreende pelo belíssimo trabalho com a linguagem. Narrada num misto entre o português coloquial falado em Luanda com as digressões de fala e pensamento dos miúdos. Merecem destaque também a silenciosa presença da AvóCatarina e AvóAgnette – chamada por motivos particulares – de Avó Dezanove.
A busca pelo segredo costura a trama com originalidade entre o narrador e seu melhor amigo: o 3,14. Amizade com ares e preocupações de gente grande: "__Ouvi dizer que os peixes são muito esquecidos. __Querias esquecer?__Acho que não. Se eu tiver sete filhos, como é que vou fazer para ter estórias boas de contar?__Não te preocupes com as estórias. As estórias boas de contar são as que nós inventamos".
Eis uma boa estória inventada. Um livro magistral. Poético. Inteligente. A grande revelação da literatura africana de Língua Portuguesa.

FICHA TÉCNICA:                                                             

Obra: Avó Dezanove e o segredo do soviético      
Autor: Ondjaki       
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2009


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